Duas perspectivas sobre o Uruguai disputam o segundo turno no domingo (24).
De um lado, os que querem a continuidade da centro-esquerdista Frente Ampla. De outro, os que preferem a renovação, embora por meio de um partido tradicional, o Nacional (blanco).
As pesquisas indicam uma disputa apertada, com vantagem para Luis Lacalle Pou (48%), do Partido Nacional, sobre Daniel Martínez (42%), da Frente Ampla.
Quem escolher a continuidade estará votando por seguir apostando no modelo que fez com que o país crescesse em média 3% em 15 anos, que diminuiu a pobreza de 40% para 9% e que ficou célebre por avanços em direitos civis.
Quem preferir o Partido Nacional mostrará preocupação com o aumento da insegurança no país —a taxa de homicídios disparou para a cifra de 11,8 para cada 100 mil habitantes— e com o desgaste do modelo econômico, além de preferir uma política mais aberta ao mundo.
Ambos compartilham, porém, algo que é tradicional na cultura política do Uruguai: o respeito à lei, o fato de que o Estado é laico e que os direitos civis são o que são, direitos.
O favorito para vencer no domingo não é um Mauricio Macri uruguaio nem um Bolsonaro uruguaio.
Sim, é um político de centro-direita, de um partido cuja tradição está relacionada à defesa dos interesses do mundo rural, mas cuja abordagem da economia é liberal e que já se comprometeu a não tentar derrogar as leis vigentes de aborto, matrimônio igualitário e regulamentação da venda da marijuana.
O partido Nacional não se identifica com um pensamento conservador clássico, tanto que foi nele que o depois guerrilheiro tupamaro José “Pepe” Mujica começou a militar.
No romance “A Uruguaia” (ed. Todavia), de Pedro Mairal, está descrito, ainda que de modo ficcional, o dilema uruguaio.
Nele, relata-se um dia na vida de um argentino, que, por conta das limitações da economia de seu país, tem uma conta em dólares no Uruguai e viaja regularmente para lá para buscar dinheiro.
Ao longo do dia, o protagonista do romance vai do encanto com Montevidéu —por conta da suavidade no trato dos uruguaios, da liberalidade dos costumes e das facilidades bancárias— ao pesadelo.
A mulher uruguaia que ele idealiza aparentemente o engana, ele é roubado e agredido e seus preciosos dólares desaparecem.
Ou seja, na primeira parte do dia, o personagem passeia por um Uruguai bom, que é real. E, na segunda, por outro Uruguai, que é ruim, e igualmente real. Esse dilema uruguaio está por trás do pleito de domingo.
Qual dos dois candidatos poderá garantir a sociedade igualitária, laica e próspera em que o Uruguai se transformou e, ao mesmo tempo, resolver os problemas que afligem seus cidadãos, a insegurança e o desgaste de um projeto que está há quase uma década e meia no poder?
Espera-se que o principal seja garantido. Que o Uruguai continue sendo um caso excepcional na América Latina, no qual, ganhe quem ganhe, haverá uma transição civilizada, respeitada pelas duas partes e regida pelos protocolos de uma boa convivência política.
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