Sylvia Colombo

Historiadora e jornalista especializada em América Latina, foi correspondente da Folha em Londres e em Buenos Aires, onde vive.

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Países da América Latina não devem ser colocados no mesmo balaio

Tensões na Bolívia, Chile e Equador têm motivos diferentes

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Buenos Aires

Basta que dois ou três países da região se encontrem em situação de tensão, manifestações de rua ou de eleições polarizadas que logo afloram os lugares-comuns de um falso discurso construído no século 19 e que, ao longo da história recente, indaga: “Por que na América Latina a democracia não dá certo?”, ou que logo conclui: “Há algo de errado, a América Latina não tem jeito”.


Tal narrativa, a de que a região nunca pôde ou poderá encontrar seu caminho por conta de alguma falha em sua fabricação ou pela ignorância ou barbárie de seus povos, demonstra preconceito e gera desinformação.

Manifestantes protestam perto do palácio presidencial contra a eleição do presidente boliviano, Evo Morales, em La Paz.
Manifestantes protestam perto do palácio presidencial contra a eleição do presidente boliviano, Evo Morales, em La Paz. - REUTERS/Kai Pfaffenbach

Vejamos. Está tudo bem na Europa? Na Espanha, que não consegue formar governo e com os independentistas furiosos na Catalunha? Na Inglaterra, com o brexit? Ou na França, com Macron e os “gilets jaunes” (coletes amarelos)?

Então, por que não se ouve com a mesma frequência a ladainha que se aplica sempre à América Latina em momentos como este —“ah, mas a Europa não tem jeito mesmo”— e assim por diante?

É certo que existem coisas em comum nas crises em países latino-americanos. Compartilhamos uma história colonial e o legado da cultura ibérica. Além disso, vários dos países viveram ditaduras militares que dificultaram o amadurecimento de suas instituições.

Mas daí a afirmar que os protestos indígenas no Equador, as manifestações no Chile e os enfrentamentos por conta do resultado da eleição na Bolívia, por exemplo, fazem parte de uma mesma confusão ou são demonstrações de que “a democracia na América Latina está em crise” é um grande equívoco.

O Equador tem uma população de formação étnica variada, com um problema histórico de convivência entre setores da sociedade e um passado recente de grande instabilidade política —entre 1996 e 2007, por exemplo, teve sete presidentes. São particularidades da história do Equador.

Já o Chile é um país de sucesso em termos macroeconômicos, mas é desigual na distribuição de renda e vive hoje um inédito “boom” de migração de venezuelanos e haitianos. Também lida com o trauma histórico da ditadura militar (1973-1990). São particularidades da história do Chile.

E a Bolívia é um dos países mais pobres da região, tem uma população de mais de 60% de indígenas —e, consequentemente, uma tradição de vida comunitária diferente da ocidental europeia, que outros países têm dificuldade de entender. Isso causa embates diários na construção necessária de uma nação moderna, igualitária e plural. São particularidades da história da Bolívia.

Colocar todos os casos no mesmo balaio e ignorar os contextos históricos de cada país leva a uma opinião rasa, generalista e até mesmo racista. Algo que era comum entre a elite imperial brasileira, no século 19, com relação ao resto da região, e que se perpetua até hoje.

A consequência é que isso influi em tomadas de decisões políticas, educacionais e diplomáticas que o Brasil toma com relação a seus vizinhos.

Mais saudável para o debate público seria tentar conhecer as culturas e as histórias de cada uma dessas realidades antes de tirar conclusões apressadas sobre o conjunto delas.

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