Sylvia Colombo

Historiadora e jornalista especializada em América Latina, foi correspondente da Folha em Londres e em Buenos Aires, onde vive.

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A paz com os olhos abertos

Acordo na Colômbia está em perigo por falhas de Iván Duque

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O escritor Gabriel García Márquez (1927-2014), que tão bem tratou, literariamente, das guerras que dividem seu país, era um defensor da paz. E tanto se envolveu com o tema que teve de deixar a Colômbia.

Foi-se o Nobel, ficaram suas palavras: “Viva a paz com os olhos abertos! A paz que estamos tratando de encontrar não pode ser uma paz cega, mas sim uma paz com olhos de condor”.

Houve inúmeras tentativas de terminar uma violência que, segundo Gabo, seguia o mesmo fio condutor da guerra entre liberais e conservadores no século 19, a que destruiu a pensão em que ele vivia durante o “Bogotazo” (1948) e a das guerrilhas que explodiram a partir dos anos 1960. 

O presidente da Colômbia, Iván Duque, durante a cerimônia na qual assumiu o cargo em agosto de 2018
O presidente da Colômbia, Iván Duque, durante a cerimônia na qual assumiu o cargo em agosto de 2018 - Raul Arboleda - 7.ago.18/AFP

A que está chegando mais perto de se tornar realidade é a iniciada pelo então presidente Juan Manuel Santos e as lideranças da ex-Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia), com o acordo de paz de 2016. E que vem sendo executado, ainda que com atropelos e tentativas de mudar as regras do jogo.

 

O responsável por um possível fracasso dessa tentativa será o presidente Iván Duque. Desde que assumiu o cargo, ele prometeu que não “rasgaria o acordo”, mas que proporia “melhorias”. Entre elas, quer esvaziar o poder da JEP (Justiça Especial de Paz).

Explicá-la aqui seria demasiado longo. Basta dizer que se trata de um tribunal para os crimes da guerra. Condena a penas de reparação e seu maior compromisso é com vítimas e com a descoberta da verdade.

É certo que a JEP anistia crimes, o que enfurece a parte da sociedade que Duque representa. Por outro lado, permite que se jogue luz nas 220 mil mortes que ocorreram desde os anos 1960. E, mais importante, permite que a guerrilha não esteja mais ativa como antes, colocando bombas em centros comerciais e em aviões, recrutando e matando adolescentes.

A JEP não investiga apenas os crimes da guerrilha, mas também os de militares e paramilitares, o que desagrada muito a turma do ex-presidente Álvaro Uribe, pois este apoiou a ofensiva de ambos contra os guerrilheiros.

Pois a JEP está investigando uma ferida aberta da Colômbia: os chamados “falsos positivos”. Na gestão de Uribe (2002-2010), a prática se disseminou. Para atingir metas de “guerrilheiros eliminados”, as forças de segurança matavam civis, vestiam-nos com roupas de guerrilheiros e diziam que tinham sido mortos em combate. Estima-se que, assim, perderam a vida 6.000 inocentes.

Para o o assombro de todos, novas covas coletivas, abertas depois do acordo de paz de 2016, com novos “falsos positivos”, têm sido descobertas agora. Com o acordo de paz assinado, com a Colômbia tendo ganhado um Nobel da paz por isso. Um pesadelo.

Os ex-combatentes que devolveram suas armas o fizeram com o compromisso de que seriam protegidos pelo Estado. Era mentira. O Estado é parte do sistema que os está matando, que envolve paramilitares e facções criminosas. Estima-se em 400 os assassinatos de ex-guerrilheiros desmobilizados e líderes comunitários relacionados ao esforço de implementar a paz.

A “paz cega” de Iván Duque pode fazer desandar uma guerra ainda pior. E os números já vêm mostrando isso. Quem lhe abrirá os olhos?

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