Sylvia Colombo

Historiadora e jornalista especializada em América Latina, foi correspondente da Folha em Londres e em Buenos Aires, onde vive.

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Jovens argentines compram a briga pela linguagem inclusiva

Forma de se expressar que surgiu com feministas é adotada por presidente, universidades e juízas

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“Bom dia, Chaco, bom dia, amigues”. Assim Alberto Fernández cumprimentou apoiadores em um ato recente na província no norte do país. 

Não é a primeira vez que o presidente usa a chamada linguagem inclusiva em seus discursos, esquentando o debate linguístico na Argentina

Alberto Fernández faz selfie com mulheres de movimento pró-aborto
Alberto Fernández faz selfie com mulheres de movimento pró-aborto - Esteban Collazo/Alberto Fernandez Press Office-14.nov.19/AFP

Aqui, a adoção dessa forma de se expressar está cada vez mais presente no debate público. Surgiu dentro do contexto da luta feminista, que ganhou força com o movimento #NiUnaMenos (nenhuma a menos), que denuncia a violência contra a mulher, e da luta pela aprovação do aborto, que por pouco não passou no Congresso. As jovens argentinas ganharam grande protagonismo levantando essas bandeiras e falando 
essa variação do idioma.

Em outros países, a linguagem inclusiva usa símbolos como o “@”, o “x” e outros, no lugar dos artigos masculino e feminino. Porém, estes são impossíveis de pronunciar. 

Na Argentina, os adeptos da linguagem inclusiva substituem o “o” para homem e “a” para mulher pela letra “e”. Daí surgem os “amigues”, “todes”, “menines” e assim por diante.

Fernández tem perto de si alguém que usa a linguagem inclusiva sempre. Seu filho, Estanislao, que é adepto do cosplay, veste-se de drag queen e é um ativista das causas pró-direitos da comunidade LGBT.

Essa onda já fez com que universidades importantes, como a UBA (Universidade de Buenos Aires), passassem a aceitar o uso de linguagem inclusiva nas aulas e nos trabalhos e que algumas publicações, como a revista Anfíbia e o jornal Página12, adotassem em algumas reportagens e colunas o “e” no lugar dos artigos que designam sexo. 

Há também livros sendo traduzidos assim, como uma nova edição de “O Pequeno Príncipe”, de Antoine de Saint-Exupéry. Há até algumas juízas que estão emitindo sentenças em linguagem inclusiva. 

Existem, porém, opositores à introdução oficial da linguagem inclusiva no idioma. A Real Academia Espanhola, que rege as normas da língua, se pronunciou contra, por considerar “artificial” e "desnecessário”, além de apontar para a dificuldade de adotar isso em um idioma falado por mais de 500 milhões de pessoas no mundo. 

Na Argentina, há educadores que também se colocam contra, por considerarem a medida uma 
maneira de politizar o idioma.

Por fim, há também feministas que não curtem a novidade, porque acham que o “a” dá ênfase ao feminino, e que isso não deve ser anulado. 

Outro dia, numa sessão do Senado, a vice-presidente Cristina Kirchner deu uma bronca num senador que a chamou de “presidente” em meio a uma sessão. “Mas a palavra presidente não tem sexo”, reagiu ele. E Cristina: “Isso é o que dizem todos os machistas, é presidenta-ta-ta”, respondeu ela, em seu estilo categórico. 

Como uma mulher que foi educada e escreve diariamente sem a linguagem inclusiva, me parece uma mudança desnecessária e que me soa ridícula quando pronunciada em voz alta. A defesa dos direitos das mulheres pode ser feita sem isso.

Por outro lado, como símbolo no contexto da luta por esses direitos, é válido. E é melhor debater o exagero que é a linguagem inclusiva do que ouvir expressões de claro retrocesso, na linha “menino veste 
azul e menina veste rosa”.

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