"A periferia pode ser nossa Wuhan."
Assim expressa o presidente argentino, Alberto Fernández, seu temor de que a Grande Buenos Aires, conhecida como "conurbano", torne-se o epicentro da pandemia de coronavírus no país.
E o mesmo pode ocorrer nas periferias de cidades como Bogotá, Lima, Caracas e São Paulo.
Com seus quase 11 milhões de habitantes, a maior parte dos municípios do "conurbano" de Buenos Aires é de classe média baixa ou extremamente humilde.
Num passeio que realizei por La Matanza, um dos locais mais populosos da região, o cenário era desolador. Outrora caótico, cheio de gente e de comércio de rua, La Matanza estava às moscas.
Viaturas da polícia vigiavam o que cada um estava fazendo fora de casa.
O medo dos moradores é latente. Existe o temor de como eles vão enfrentar a doença economicamente.
Conversei com alguns dos moradores. Alguns contam, de seus quintais e janelas, que em suas casas há um quarto e uma sala, ou apenas um quarto-sala. Aí vivem três, cinco até oito pessoas.
"Não tem como fazer isolamento. Isolar onde?", pergunta-me uma senhora. "Quando um de nós fica doente, é menos dinheiro que entra para todo mundo da família comer. Aqui ninguém tem carteira assinada."
Outro senhor se mostrou preocupado com os dois filhos, de 21 e 19 anos. "Eles vivem de trabalhos sem carteira assinada, um é eletricista, outro conserta carros. Se tiverem de trabalhar no bairro, ganham a metade do que em Buenos Aires. E ir para lá está difícil."
De fato, desde a última decisão do governo, ônibus, trens e metrôs estão funcionando de forma reduzida, priorizando o transporte de profissionais de saúde ou do setor de abastecimento.
Só é possível entrar o número suficiente para que todos façam o trajeto sentados, garantindo assim o distanciamento entre os passageiros.
O governo anunciou medidas de ajuda aos trabalhadores informais do país, que são nada menos que 40% do mercado de trabalho.
São aumentos em bônus, planos assistencialistas, além de pagamentos extras a autônomos.
Porém, há muita gente deste estrato social que não tem sequer uma conta em banco para receber o benefício, ou um endereço fixo registrado para que ali o dinheiro seja entregue.
O governo diz estar ciente do problema e que encontrará uma maneira de driblar esses obstáculos.
A questão é que a pandemia é uma corrida contra o tempo. E o medo de que o "conurbano" tenha um surto numeroso afeta não apenas quem vive aí, mas se espalha para a capital do país em termos sanitários, de abastecimento e de mão de obra.
Por enquanto, há 12 casos de infectados pelo coronavírus ali. Mas os hospitais já vêm alertando que não poderão dar conta do que se projeta para a região.
Faltam 12 mil leitos de UTI e 1.300 respiradores para atender o que calculam ser necessário.
O governo prevê que o pico do coronavírus na Argentina será em maio, e que 70% dos contaminados estarão em Buenos Aires e em seu "conurbano".
A situação é complexa. Porém, vemos que algo está sendo feito. No Brasil, alguém está pensando nas periferias de nossas grandes cidades?
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