Sylvia Colombo

Historiadora e jornalista especializada em América Latina, foi correspondente da Folha em Londres e em Buenos Aires, onde vive.

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Sylvia Colombo
Descrição de chapéu Coronavírus

Relação com vizinhos será uma das ruínas a serem reconstruídas pelo Brasil no pós-pandemia

Houve momentos de grandeza nos laços com a Argentina, em que ambos os lados tiveram visão de longo prazo

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Uma das coisas mais difíceis de serem reconstruídas pelo Brasil depois da pandemia será a boa relação com os vizinhos.

Assustados com o aumento descontrolado das contaminações por coronavírus no país, países próximos fecharam ou supercontrolam suas fronteiras —mesmo aqueles que não adotaram uma quarentena severa.

Até o presidente Mario Abdo Benítez, a quem Jair Bolsonaro chama de "irmão paraguaio", tem resistido a flexibilizar as medidas na divisa.

A que terá mais consequências econômicas para o Brasil será a relação com a Argentina, nosso principal sócio comercial na região.

O presidente Jair Bolsonaro junto com o chanceler Ernesto Araújo, de costas, no Palácio do Itamaraty
O presidente Jair Bolsonaro junto com o chanceler Ernesto Araújo, de costas, no Palácio do Itamaraty - Pedro Ladeira - 14.nov.19/Folhapress

Os problemas entre Bolsonaro e Alberto Fernández vêm desde antes da pandemia, quando trocaram insultos na campanha eleitoral argentina.

Nas últimas semanas, o presidente brasileiro se referiu à Argentina como um país que está "caminhando para o socialismo" e ainda por cima errou a diferença na taxa de mortos por milhão de habitantes devido ao vírus entre os dois países —a Argentina vem mantendo índice muito mais baixo do que o Brasil.

Fernández não tem ajudado, deixando tudo o que tem a ver com o irmão do norte para depois. Fonte da Casa Rosada informa que o mandatário pediu a seu gabinete de ministros que não falem sobre o país nem deem entrevistas a jornalistas brasileiros, para evitar os assuntos espinhosos.

Ambos estão errados, pois o momento é de cooperação, não só para combater a pandemia como para levantar as economias —já que Bolsonaro bate tanto nessa tecla.

Assim como nas relações humanas, as relações entre os países também têm de ser alimentadas com esforço das duas partes. Não se pode assumir que um vínculo já está sólido e que, portanto, não tem de ser cultivado regularmente.

Houve momentos de grandeza na relação bilateral, em que ambos os lados tiveram visão de longo prazo e investiram no fim das hostilidades e da competição, colocando os interesses de Estado à frente dos interesses dos governos.

Foi assim nos anos 1980, quando Raúl Alfonsín e José Sarney acabaram com anos de disputas comerciais entre Brasil e Argentina e costuraram o bom vínculo que persistiu até as gestões de Michel Temer e Mauricio Macri.

Goste-se ou não das linhas ideológicas desses governos, foi algo importante.

Também aconteceu no século 19, quando, sentados no que é hoje o Museu Imperial, em Petrópolis, o imperador Dom Pedro 2º e o então futuro presidente argentino Domingo Faustino Sarmiento trocaram informações sobre a cultura, os sistemas políticos em vigor e os modos de cooperação entre eles.

Dom Pedro 2º pediu a Sarmiento que lhe explicasse como funcionava o sistema de caudilhos, como superá-lo e como terminar os conflitos na região do Rio da Prata, enquanto o argentino lhe dizia que a escravidão era um atraso.

Ambos selaram amizade que ajudaria no estreitamento dos laços entre Brasil e Argentina, com uma visão da região que tentava enxergar seus países não pelos próximos quatro anos, e sim para dali a 200 anos ou mais. Haverá quem retome essas iniciativas?

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