Sylvia Colombo

Historiadora e jornalista especializada em América Latina, foi correspondente da Folha em Londres e em Buenos Aires, onde vive.

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Descrição de chapéu América Latina imigrantes

Tragédia humanitária na região do Darién ocorre em silêncio

O que é necessário para que o mundo se comova com esse drama dos migrantes?

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Uma das piores crises humanitárias do mundo ocorre em silêncio, meio escondida de noticiários internacionais. Ocorre numa das florestas mais inóspitas das Américas, de mato fechado e rios de volumes caprichosos —em alguns momentos, estão num nível baixo que dão a sensação de que são caminháveis, noutros, repentinamente crescem, arrastam e afogam migrantes.

A lista dos perigos do Darién, que se estende do departamento de Chocó, na Colômbia, até a região do Darién, no Panamá, é enorme: saqueadores, crime organizado, ataques sexuais, sequestros para tráfico humano e extorsão. Os migrantes também se ferem, a tiros ou tentando atravessar obstáculos.

Migrantes da Venezuela chegam à vila Canaan Membrillo, a primeira na fronteira de controle da província panamenha de Darién, após cruzar o perigoso estreito de mesmo nome
Migrantes da Venezuela chegam à vila Canaan Membrillo, a primeira na fronteira de controle da província panamenha de Darién, após cruzar o perigoso estreito de mesmo nome - Luis Acosta - 13.out.22/AFP

Sem assistência médica, perdem partes do corpo ou mesmo a vida. Sem cifras oficiais, há que se apoiar no relato de famílias que chegam pela metade, de jornalistas ou de integrantes de ONGs de direitos humanos. Eles dão conta de que, no caminho, há vários cadáveres, ou pedaços deles, ao léu.

Por muitos anos, o Darién foi tão difícil de atravessar que era descartado por migrantes. Mas o nível de desespero aumentou, e agora vale tudo para chegar, com sorte, ao Panamá —e daí seguir viagem aos EUA. Como em toda fronteira com essas características, há coiotes, pessoas que cobram para "ajudar" a realizar a travessia, mas que saqueiam os migrantes e estupram as mulheres.

A fome também bate. Não dá para levar muita coisa quando é preciso caminhar por mais de 12 dias na selva. Às vezes mais, quando crianças ou idosos acompanham o trajeto, o que é comum. São 112 km. O desespero para chegar faz com que muitos evitem dormir, tamanho o medo de ficar entranhado ali.

"A crise no Darién resulta de uma rede de violações: a privação de direitos fundamentais em países como Venezuela, Cuba e Haiti, uma política migratória abusiva dos EUA e a falta de medidas sérias de proteção, justiça e assistência humanitária na fronteira entre Colômbia e Panamá", afirma à Folha Juan Pappier, subdiretor para Américas da ONG Human Rights Watch.

Não há contagem do número dos que saem do lado colombiano. Afinal, trata-se de um desses espaços na Colômbia em que praticamente não há presença do Estado devido ao crime organizado. Iván Velázquez, ministro da Defesa da Colômbia, disse à Folha considerar que o governo de fato não está presente ali, onde atua o perigoso Clã do Golfo. Do lado panamenho, existe algum controle, albergues e certo atendimento médico. Também há ônibus, que levam as pessoas rapidamente às fronteiras seguintes.

As cifras de 2022 mostram que chegaram vivos 248.284 migrantes. Em maior número, são venezuelanos, haitianos e cubanos. Recentemente, a rota tem sido usada por asiáticos e migrantes de países africanos.

Segundo o Unicef, o ano de 2022 bateu outro recorde: foram 900 os menores de idade que chegaram ao outro lado do caminho vivos. Muitos deixaram os pais pelo trajeto, vítimas de doenças ou violência.

O Darién se apresenta não só como um problema migratório para os EUA, que assim enxergam a situação, mas como uma tragédia humanitária. Um sinal de que vivemos num mundo em que muitos são excluídos de seus países, seja por política, fome, raça —pessoas com as quais todos os Estados estão em dívida.

O que será da geração de crianças que chegam ao outro lado com as sequelas dessa travessia, muitos deles após perder os pais na selva? O que é necessário para que o mundo se comova com esse drama?

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