Tabata Amaral

Cientista política, astrofísica e deputada federal por São Paulo. Formada em Harvard, criou o Mapa Educação e é cofundadora do Movimento Acredito.

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Coronavírus vs. Periferia: uma lição de solidariedade

Devemos exigir que o poder público trabalhe pelos mais vulneráveis

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Ouvi dizer que o mundo ficou doente porque estava com baixa humanidade. A chegada do coronavírus escancarou nossos problemas sociais, como a nossa saúde pública precária, o fato de milhões de brasileiros ainda não terem acesso a água ou saneamento e a crescente precarização do trabalho.

Ao expor nossas feridas, ela nos fez refletir sobre nossas profundas desigualdades e, principalmente, sobre o modelo de sociedade no qual queremos viver.

Em diferentes graus ­–afinal de contas, nem a pandemia foi capaz de nos colocar no mesmo barco– a crise que estamos vivendo impacta a todos. Mas ao invés de se renderem ao medo e ao egoísmo, muitas pessoas estão mostrando que o isolamento físico que precisamos nos impor não impede que estejamos conectados. Muito pelo contrário. Nas comunidades mais periféricas, onde o coronavírus tem um potencial enorme de destruição, é exatamente essa união que tenho visto.

As previsões para a chegada do vírus nas favelas são assustadoras. Pesquisa do Data Favela mostrou que, sem ações específicas, 86% dos moradores de favelas iriam passar fome. É por isso que, diante da falta de ações coordenadas do poder público para proteger a população mais vulnerável, as próprias comunidades estão se organizando para atenuar os impactos da pandemia.

Foi na Vila Missionária, bairro da periferia da zona sul de São Paulo onde cresci e moramos até hoje, que eu tive minha primeira lição de solidariedade. Sempre que as coisas apertavam, eram aos nossos vizinhos e amigos da igreja que recorríamos. Muitas dessas pessoas enfrentavam tantas dificuldades quanto a gente, mas nunca faltou ajuda. Não me surpreende, portanto, que as pesquisas mostrem que os mais pobres doam, proporcionalmente à renda, três vezes mais que os mais ricos.

Para mim, é motivo de orgulho ver comunidades inteiras unidas na luta contra o coronavírus. Um grande exemplo é a União de Moradores de Paraisópolis. Líderes comunitários como o Gilson, presidente da associação, estão não só distribuindo cestas básicas e materiais de higiene como também contratando médicos, enfermeiras, socorristas e ambulâncias.

As periferias estão dando uma verdadeira aula de civilidade. No entanto, enquanto a sociedade civil faz a sua parte, precisamos fazer mais do que colaborar. Devemos exigir que o poder público deixe de lado diferenças partidárias, sua miopia e morosidade e trabalhe pelos mais vulneráveis.

Sabendo que a população mais vulnerável está concentrada nas periferias da cidade e que a capital paulista concentra 90% dos casos de contaminação por coronavírus, eu decidi redirecionar R$ 12 milhões das minhas emendas parlamentares para o combate ao coronavírus no munícipio de São Paulo.

Em um compromisso com o prefeito Bruno Covas, acordamos que R$ 4 milhões irão para a ampliação do horário de atendimento das AMAs e UBSs integradas e R$ 8 milhões para a ampliação do número de leitos de UTI nas regiões mais pobres.

Vejo essa quarentena como uma pausa forçada que vai nos permitir escrever uma história completamente diferente daqui para frente. O mundo nunca mais será o mesmo e o meu desejo é de que, a partir de agora, a nossa opção seja por uma sociedade mais justa, que exalte a ciência, e não a ignorância, e que escolha propagar a compaixão, e não o ódio.

Comunidades periféricas do Brasil inteiro já apontaram o tipo de sociedade que querem construir. Que sigamos os seus exemplos e saiamos dessa pandemia mais lúcidos, unidos e solidários. Ou seja, melhores.

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