Fevereiro de 2020. Rose sai de Pinheiros, a caminho de sua casa, em Sapopemba. São 22 km de distância e o trajeto leva duas horas. Rose geralmente termina seu expediente como diarista por volta das 18h, mas naquele dia teve que ficar até às 20h com o filho de Carmem, que precisou atender um paciente com sintomas respiratórios graves no hospital em que trabalha.
No ônibus, Rose ouve a notícia de brasileiros que moravam na China e conseguiram voltar ao país fugindo de uma doença desconhecida que se alastra com velocidade. Rose desliga o rádio depois de o governo federal anunciar que as fronteiras do Brasil serão fechadas nos próximos dias.
Março de 2020. Rose volta da igreja conversando com uma amiga sobre o “coronavírus”. Ninguém sabe ao certo o que é essa doença, mas já são cem contaminados no país, a maioria em São Paulo. Apesar disso, Rose diz que está tranquila, pois sabe que o presidente da República está agindo com base nas últimas evidências científicas e conta com o apoio de profissionais qualificados.
Rapidamente, o governo anuncia a criação de um gabinete de crise no Palácio do Planalto para coordenar programas emergenciais com os governadores, como a abertura de hospitais de campanha e testagem em massa. Na mesma semana, o governo decreta quarentena rígida para evitar novas contaminações, antes de o primeiro óbito ocorrer.
Rose é dispensada do trabalho para cumprir o isolamento em casa. Para evitar que os mais pobres tenham que escolher entre um prato de comida e sua saúde, o governo edita uma Medida Provisória estabelecendo um auxílio emergencial até o final da calamidade pública. Com a Medida Provisória, as pessoas recebem a primeira parcela do auxílio naquele mesmo mês.
Abril de 2020. 1200 infectados, 45 mortes. O governo anuncia novas medidas, dessa vez focadas nas micro e pequenas empresas. Poucos dias depois, Rose recebe uma ligação da unidade básica de saúde dizendo que todos em sua família deverão ser testados. Carmem contraiu a Covid-19 e, como o Governo está fazendo rastreamento de contatos, todas as pessoas que interagiram com indivíduos contaminados devem ser testadas. Rose fica apreensiva, recebe os agentes de saúde em casa, e logo o resultado vem: negativo!
Maio de 2020. Como Rose não tinha internet em casa, seu filho recebe um chip e um dispositivo para que possa acompanhar as aulas, que estão sendo ministradas à distância.
Junho de 2020. O número de mortes começa a cair. As pessoas contaminadas continuam sendo isoladas e monitoradas e algumas atividades vão sendo retomadas. A média é de 20 novos registros por dia.
Essa poderia ter sido a história do Brasil, se tivéssemos agido com rapidez, como fizeram Nova Zelândia, Marrocos, Taiwan e Noruega. Há muitas diferenças entre esses países e o nosso, como densidade demográfica e nível de desenvolvimento, mas a maior delas está no fato de que, neles, as lideranças agiram com responsabilidade.
Infelizmente não tivemos a mesma sorte, com um presidente que cruzou os braços diante da pandemia na tentativa de manter a si e aos seus no poder. O custo dessa aposta política? 100 mil mortes, 100 mil sonhos e futuros destruídos.
O mundo inteiro está lidando com as consequências da pandemia, mas a população brasileira está sofrendo muito mais do que o necessário.
Com falas e ações desumanas, Bolsonaro não faz nada além de sugerir que as pessoas “toquem a vida”. Enquanto isso, seguimos e resistimos, suportando a dor de tudo aquilo que poderia ter sido e não foi.
Comentários
Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.