Apesar das bravatas do presidente, uma eventual ruptura democrática dificilmente repetiria 1964, quando tanques tomaram as ruas do Rio de Janeiro. O mais provável é um processo de corrosão gradual e quase imperceptível das nossas instituições. Esse é o objetivo de Bolsonaro quando ataca a imprensa e questiona a segurança das urnas eletrônicas, para citar apenas dois exemplos. A Reforma Administrativa proposta na PEC 32/20 tem tudo para ser mais um degrau na fragilização da nossa democracia.
O projeto encaminhado pelo governo dá superpoderes ao Presidente da República, que estaria autorizado a extinguir cargos e órgãos inteiros por decreto, sem precisar da anuência do Congresso.
Ao propor o fim da estabilidade para parte do serviço público, a PEC permitiria ainda que um governante demitisse um médico que não prescreveu cloroquina ou um estatístico que publicou um estudo que o desagradou.
É importante ressaltar que defender a estabilidade não significa ser contrário à possibilidade de demissão de servidores com baixo desempenho. Nós precisamos sim de uma lei que regulamente a avaliação de desempenho, prevista em nossa Constituição desde 1998, mas não é isso que o governo está propondo.
Acabar com a estabilidade não trará eficiência, mas apenas descontinuidade de políticas públicas e perseguições políticas constantes.
Também me preocupa a PEC permitir que servidores comissionados, que são indicados políticos, exerçam cargos técnicos. Para além do aumento dos cabides de emprego, o impacto dessa medida fica evidente quando vemos que só 38% dos profissionais atualmente em cargos comissionados no MEC possuem alguma experiência em educação, segundo boletim da COMEX MEC.
Esses são três dentre inúmeros problemas de uma proposta cujo objetivo principal é aparelhar o Estado e manter privilégios. Não à toa, apresentei dez emendas ao texto, retirando retrocessos e propondo avanços nas discussões que realmente importam.
Proponho a inclusão de militares e membros do Judiciário e do Legislativo na reforma, o corte de privilégios e supersalários, mais mobilidade na alocação de pessoal, diretrizes nacionais para avaliações periódicas de desempenho e gratificação por resultado, e que a administração pública se paute pela diversidade de gênero e raça, tanto no ingresso no serviço quanto nos cargos de chefia.
Sem essas mudanças, essa reforma administrativa não terá o meu apoio, pois não só enfraquecerá as nossas instituições como ficará distante daquele que deveria ser o seu principal objetivo: trazer mais eficiência e melhorar a qualidade dos serviços públicos.
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