Tatiana Prazeres

Executiva na área de relações internacionais e comércio exterior, trabalhou na China entre 2019 e 2021

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Decisões dos EUA em relação à China podem ter efeito oposto ao desejado

Asiáticos buscam autossuficiência para compensar bloqueios americanos

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Um conflito entre China e EUA é inevitável? A tese da Armadilha de Tucídides veio à tona numa conversa recente com acadêmicos chineses sobre as tensões entre as duas grandes potências do nosso tempo.

Tucídides, no século 5 a.C., chegou à conclusão de que a Guerra do Peloponeso havia sido causada pelo crescimento do poder de Atenas e o medo que isso gerou em Esparta.

Os presidentes Donald Trump e Xi Jinping, durante reunião do G20 no Japão - Kevin Lamarque - 29.jun.2019/Reuters

Segundo a tese da Armadilha, desenvolvida pelo professor de Harvard Graham Allison, quando uma nova potência ameaça a posição da estabelecida, a guerra quase sempre é inevitável. Num livro publicado em 2017, Allison faz uma análise de um período de 500 anos de rivalidade entre potências reinantes e emergentes e conclui que o desfecho foi bélico em 12 de 16 casos.

A tese tem sido usada para chamar a atenção das lideranças na China e nos EUA sobre os riscos deste momento de reequilíbrio de poder global.

Meus colegas acadêmicos questionaram as comparações, o certo determinismo da tese e sua pertinência numa era de armas nucleares. Ainda assim, o argumento fez muita gente parar para pensar se não estaríamos caminhando, de olhos fechados, rumo ao precipício.

Há algo mais sutil e menos explorado na tese da Armadilha de Tucídides: o argumento de que a potência estabelecida, pressionada por uma potência ascendente, acaba se comportando de forma a acelerar seu próprio declínio relativo.

É mesmo de se perguntar se algumas decisões da atual administração americana não estariam gerando o efeito oposto ao desejado. Para conter o desenvolvimento tecnológico na China, os EUA proibiram a exportação de uma série de tecnologias das quais os chineses dependem, incluindo componentes e software.

O que fizeram os chineses? Aceleraram, sem constrangimentos, os esforços em direção à autossuficiência em tecnologias críticas, alocaram recursos públicos e orientaram esforços privados de maneira a não precisar contar com fornecedores americanos.

Além de empresas americanas de ponta terem perdido acesso ao mercado chinês (por decisão dos próprios EUA), elas logo passarão a encontrar, em terceiros mercados, competidores chineses à altura.

Assim que fornecedores americanos foram proibidos de fazer negócios com a Huawei, noticiou-se que a empresa teria alocado cerca de 10 mil engenheiros e programadores em três turnos para correr atrás do prejuízo. Por sua vez, o governo chinês anunciou dois anos de incentivos tributários generosos para empresas locais de semicondutores e software.

Os EUA aumentaram tarifas sobre produtos chineses? Pois, ao mesmo tempo em que responderam com tarifas para produtos americanos, os chineses diminuíram as barreiras para o resto do mundo.

A China fez isso para evitar o próprio prejuízo, diminuindo o efeito “tiro no pé” que costuma vir com o aumento de barreiras, e acabou também prejudicando a posição relativa dos EUA no mercado chinês.

Certamente a economia chinesa sente os efeitos da pressão americana, e o ritmo mais lento de crescimento na China é motivo de dor de cabeça para Pequim, além de a relação conflituosa preocupar o governo chinês.

Isso tudo é correto, mas o ponto aqui é diferente: a pressão que os EUA colocam sobre a China pode ter o efeito de fazer o país asiático mais forte —ao invés de mais fraco.

Se a guerra é inevitável é outra história. A relação entre China e EUA talvez não venha a ser uma tragédia, mas à medida que diminui a distância de poder entre eles certamente haverá drama.

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