Tatiana Prazeres

Executiva na área de relações internacionais e comércio exterior, trabalhou na China entre 2019 e 2021

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Enquanto isso, a China lidera o Pisa

Alunos do país enfrentam competição acirrada e expectativas altas

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Divulgado o resultado do último exame Pisa, a atenção no Brasil voltou-se, com razão, ao desempenho sofrível do país

Faltou fôlego para avaliar a situação de quem ocupou a liderança da avaliação: os chineses.

De largada, vale esclarecer que o primeiro lugar do Pisa divulgado em 2019 não foi da China, mas sim de quatro províncias ou cidades chinesas, tratadas em conjunto por BSJZ (Pequim, Xangai, Jiangsu e Zhejiang, na sigla em inglês). 

Mais desenvolvidas que a média, essas regiões chinesas nem de longe são representativas do restante do país. A metodologia do Pisa é transparente em relação a isso —mas a explicação não coube nas manchetes mundo afora. Ainda assim, é espetacular o resultado dos alunos dessas regiões, cuja população somada ultrapassa os 180 milhões de habitantes. 

Os estudantes chineses superaram os alunos de todos os demais 78 países ou economias participantes do Pisa em todas as três áreas avaliadas. Em matemática e ciências, chegaram na frente com folga. Em leitura, apenas os estudantes de Singapura se aproximaram.

Os resultados demonstram que há muito espaço para melhorar aspectos emocionais e sociais além do bem-estar dos estudantes chineses em comparação com seus pares de outros países. Os dados revelam, por exemplo, como o medo de falhar é mais alto entre os estudantes chineses e asiáticos de modo geral. De fato, na China, a pressão sobre os alunos é altíssima. A carga de dever de casa é reconhecidamente excessiva. 

Para diminuir o nível de estresse, a província de Zhejiang adotou uma série de medidas no mínimo curiosas. Há uma espécie de toque de recolher: os alunos não podem fazer deveres depois das 22h. 

O problema, alega-se, é que o volume de tarefas não diminuiu, o que faz com que alguns acordem no meio da noite para, às escondidas, dar conta do trabalho. Com 15 anos de idade, os chineses que se submeteram ao Pisa representam uma geração de filhos únicos, resultado da política que vigorou na China entre 1979 e 2015. 

Muitos dos examinados vêm de uma configuração familiar que segue o formato conhecido como 4-2-1, ou seja, quatro avós e dois pais concentrando todos os recursos e canalizando todas as expectativas numa única criança. Ao longo do tempo, fui me dando conta da quantidade de escolas de programação, matemática e inglês nos shoppings de Pequim. E do movimento que elas têm até mesmo em horários improváveis aos finais de semana.

Como se diz aqui, todos os pais reclamam, mas todos agem da mesma forma, porque, alegam, os pais do colega ao lado estão investindo no filho e cobrando resultados. 

É difícil quebrar esse ciclo quando o caldo cultural é competitivo, e as ambições, crescentes. Mesmo que essas regiões chinesas não representem o conjunto do país, penso no perfil da força de trabalho que terão nos próximos anos caso consigam manter o nível do ensino e administrem melhor a pressão sobre os jovens. 

A qualidade das escolas de hoje vai alimentar a força da economia de amanhã, como notam os organizadores do Pisa. 

Se alguém ainda tinha dúvidas, este último Pisa veio mostrar que acabou o tempo em que China era sinônimo de quantidade em vez de qualidade. A China tem ambos. Ou, melhor, tem muita qualidade em muita quantidade.

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