Tatiana Prazeres

Executiva na área de relações internacionais e comércio exterior, trabalhou na China entre 2019 e 2021

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Escolha das palavras do ano na China evidencia desafio de entender o país

As listas trazem assuntos sérios, mas têm uma pitada de gracejo

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Que palavras têm a capacidade de encapsular 2019 para a China? Pelo menos duas instituições endossadas pelo governo divulgaram listas com as expressões do ano.

Seleções ecléticas foram apresentadas tanto pelo Centro Nacional de Monitoramento e Pesquisa da Língua quanto pelo Yao Wen Jiao Zi, publicação mensal sobre cultura e língua chinesa.

Parte das listas serve para consolidar a narrativa oficial, unir o país em torno de alguns conceitos e reforçar mensagens.

Algumas palavras remetem a conquistas chinesas. Outras vêm do dia a dia e da cultura da internet. As listas trazem assuntos sérios, mas têm uma pitada de gracejo.

“996” entrou na lista dos destaques do ano. Trata-se de referência a comentário de Jack Ma, fundador do conglomerado Alibaba, que gerou polêmica ao endossar a jornada de trabalho de 9h da manhã às 9h da noite, 6 dias na semana —prática aparentemente comum no setor de tecnologia na China. Realmente, falou-se muito sobre isso aqui.

Perguntei sobre o assunto a um vizinho, advogado do Alibaba, que sorriu sem graça e disse, em tom de brincadeira (ou nem tanto), que o regime de trabalho na empresa não era 996 —mas 007. De zero hora à meia-noite, todos os dias.

 

Na mesma lista de expressões do ano entrou a frase “A vida é tão dura para mim”, tirada de um vídeo curto que viralizou, com um sujeito exausto como protagonista. O vídeo inspirou uma profusão de memes.

A agenda política, interna e externa, marcou presença entre as palavras do ano. Uma lista inclui “Parem a violência e ponham fim ao caos”, expressão usada por Xi Jinping durante a cúpula do Brics no Brasil, em sua primeira manifestação pública sobre a situação de Hong Kong.

As tensões sino-americanas não escaparam às listas. Uma delas inclui “pressão máxima”, “tensões comerciais”. Outra traz “bullying”, também em referência ao assunto.

A pauta econômica se fez presente com “economia noturna”, que, francamente, não parece uma “buzzword” do ano.

A inclusão da palavra na lista parece servir como lembrete público do interesse do governo em estimular compras, entretenimento e alimentação no período das 18h às 6h, reforçando o consumo para manter a economia aquecida.

Os jovens chineses parecem menos dispostos a sair à noite do que gostaria o governo —e, convenhamos, um regime de trabalho 007 ou mesmo 996 não ajuda.

“Ano de estreia do 5G” ganhou destaque, o que não surpreende. O 5G é emblemático da condição de nova potência tecnológica do país. Apenas no jornal China Daily, 5G apareceu em 512 notícias e artigos neste ano.

Uma boa dose de nacionalismo perpassa ambas as listas. Segundo o Centro Nacional de Monitoramento e Pesquisa da Língua, “meu povo, meu país” teria sido selecionada pelos usuários de internet na China como a expressão do ano.

Entre as dez expressões da internet estariam ainda “1,4 bilhão de porta-bandeiras” e “siga fiel à sua aspiração original”.

Finalmente, as mascotes dos próximos Jogos Olímpicos e Paraolímpicos de Inverno, anunciadas neste ano, aparecem em uma das listas. Olimpíada, ressalte-se, de 2022.

Um panda rechonchudo e um bebê em formato de lanterna vermelha, Bing Dwen Dwen e Shuey Rhon Rhon, fecham com chave de ouro o estranhamento de vários estrangeiros ao ler sobre essas listas.

A seleção das palavras do ano é evidência da dificuldade de entender a China e o que passa pela cabeça daqueles que as endossam.

Resta saber o que os chineses pensam dessas escolhas. Uma hora dessas ainda pergunto ao meu vizinho. Quando conseguir encontrá-lo.

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