Tatiana Prazeres

Executiva na área de relações internacionais e comércio exterior, trabalhou na China entre 2019 e 2021

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Disputa de narrativas cresce com a pandemia

Novas tensões políticas desviam a atenção do que deveria importar

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Se não bastasse a crise de saúde pública que vivem, China e EUA se envolveram num novo problema, de ordem política, relacionado à Covid-19.

Nesta semana, trocaram acusações e alimentaram uma disputa de narrativas que envolve o nome e a origem do novo coronavírus, além de restrições à atuação da imprensa em ambos os lados.

Com isso, criam ruído e obstruem o canal de comunicação que deveria fluir de maneira desimpedida para enfrentar a pandemia e a recessão econômica que se avizinha.

O presidente americano Donald Trump na Casa Branca, em Washington, durante a entrevista coletiva em que se referiu ao coronavírus como 'vírus chinês' - Jonathan Ernst - 18.mar.20/Reuters

O capítulo mais recente das tensões bilaterais começa em fevereiro e inclui a revogação de credenciais, pela China, de três jornalistas do Wall Street Journal baseados em Pequim, após a publicação de artigo intitulado “A China é o verdadeiro doente da Ásia” —para os chineses, um insulto que remete à maneira como o país era tratado durante o chamado século da humilhação.

É verdade que na véspera da expulsão os EUA haviam decidido passar a tratar cinco veículos de comunicação chineses como extensão do governo da China, conferindo-lhes um tratamento diferente daquele dado à mídia considerada independente.

Em resposta ao episódio do WSJ, os EUA definiram um número máximo de nacionais chineses autorizados a trabalhar em veículos que Washington considera instrumentos de propaganda do governo chinês. Com isso, jornais e agências de notícias chinesas tiveram que reduzir de 160 para 100 o número total de empregados chineses nos EUA.

Alegando reciprocidade, a China decidiu nesta semana revogar credenciais de pelo menos 13 jornalistas americanos de três dos mais importantes veículos dos EUA.

Mas o caldo engrossou mesmo quando o presidente Donald Trump se referiu ao coronavírus como “vírus chinês”, justamente quando a China começava a questionar a origem do vírus.

Pequim achou por bem endossar uma das teses das redes sociais, e um porta-voz do governo sugeriu que o vírus havia sido levado a Wuhan por militares americanos.

Nesta semana, Trump aproveitou o ensejo para dobrar a aposta. Disse que sim, era apropriado chamar o coronavírus de vírus chinês. Pequim protestou, afirmou que a intenção de Trump era estigmatizar a China e ressaltou que a denominação inapropriada (e contra as orientações da OMS) alimentava xenofobia contra chineses e asiáticos.

Esses eventos não são alheios à dinâmica eleitoral americana. Depois de desacertos no início do combate à Covid-19, Trump agora corre atrás do prejuízo (e num momento em que a China colhe os louros dos seus esforços). Enquanto a situação não melhorar para os EUA, culpar a China será o remédio, o que ajuda a tirar o foco dos erros internos.

Mais, uma possível recessão nos EUA poderá comer a reeleição de Trump pelas beiradas. É politicamente irresistível para o presidente apontar o dedo para um inimigo externo —e com nome e endereço certos— para atribuir os males que o podem acometer na economia.

Por outro lado, se a resposta do governo Trump à Covid-19 for eficaz, os americanos podem premiá-lo nas urnas. Enquanto isso, e por via das dúvidas, culpar a China parece seguro.

É lamentável que surjam novas dificuldades relacionadas à pandemia, desviando as atenções do problema que deveria importar.

Esses novos focos de tensão entre China e EUA dificultam a coordenação de esforços para combater a crise real. Criar outra, política, pode interessar à agenda de um ou outro, mas não ajuda em nada a combater a Covid-19 ou a proteger a economia mundial do colapso.

O relacionamento entre as duas maiores potências se deteriora quando o mundo mais precisa dele. China e EUA devem atacar o inimigo comum em vez de se atacar mutuamente.

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