Tatiana Prazeres

Executiva na área de relações internacionais e comércio exterior, trabalhou na China entre 2019 e 2021

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Descrição de chapéu Coronavírus

Em meio à pandemia, China faz diplomacia das máscaras

Europa teme influência de Pequim, mas faz bem ao aceitar ajuda

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A gota d’água parece ter sido um beijo na bandeira da China. O gesto veio do presidente da Sérvia ao recepcionar médicos chineses que chegaram ao país para ajudar no combate ao coronavírus, trazendo também suprimentos como máscaras e kits de testes.

Foi um beijo discreto, mas as juras de amor não foram poucas. Aleksandar Vucic aproveitou para criticar a União Europeia por abandonar seu país, inclusive porque alguns membros do bloco proibiram exportações de produtos como respiradores e máscaras. A Sérvia não está sozinha ao aceitar ajuda dos chineses —ao menos outros 14 também o fizeram.

Nesta semana, o chefe da diplomacia europeia subiu o tom e disse estar havendo uma batalha global de narrativas. Josep Borrell se referiu à existência de um componente geopolítico associado ao que chamou de “política da generosidade” chinesa.

A China está saindo da crise no momento em que vários países mergulham nela. Essa circunstância favorece a diplomacia chinesa, que atua rapidamente em duas frentes. Nesta semana, o dirigente chinês, Xi Jinping, telefonou para diversos presidentes, entre os quais ao menos cinco europeus, além de Bolsonaro. O assunto não poderia ser diferente.

Em primeiro lugar, os chineses atuam para conter um risco à sua reputação. A China combate as tentativas de culpá-la pela crise do coronavírus. Entende que a atribuição de responsabilidade seria como culpar uma vítima. E estão dispostos a gritar (agora também via Twitter) todas as vezes que alguém cruzar esta linha. Tratar a Covid-19 como vírus chinês naturalmente se enquadra aí.

Mas é especialmente a segunda frente de atuação chinesa que tem gerado algum desconforto na União Europeia —e fora dela. Trata-se da política de prover assistência no combate à crise, enviando suprimentos médicos e equipes de especialistas para regiões afetadas.

A China, maior produtora mundial de máscaras, aumentou enormemente a capacidade de fabricação no pico da sua crise e agora está em condições de enviá-las para onde são mais úteis.

Neste momento, pelo menos 24 países passaram a proibir a exportação de equipamentos de proteção individual para priorizar necessidades locais. Quase sem ter de quem importar, os países com pouca produção doméstica se vêem numa situação especialmente dramática. O beijo do sérvio não foi à toa.

Já batizada de diplomacia das máscaras, a atuação chinesa divide corações na Europa. Se pudesse, Bruxelas aceitaria os suprimentos médicos e descartaria o soft power que vem com eles.

Como não pode, aceita, agradece e emenda lembrando que, quando a China precisou, a Europa ajudou com carregamentos de itens médico-hospitalares.

Certa está a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, ao destacar o valor da cooperação, sem esquecer que ela funciona nos dois sentidos.

A verdade é que a Europa se vê entre a diplomacia das máscaras de Pequim e a política externa America First de Washington. Bruxelas navega entre as duas potências de olhos abertos, mas faz bem ao não permitir que, neste momento, preocupações com a influência chinesa se sobreponham à prioridade de combater essa crise colossal.

Esse mesmo dilema baterá às portas dos EUA em breve. Naturalmente, não será o Partido Comunista Chinês que tocará a campainha da Casa Branca.

Veremos entidades como a Fundação Jack Ma capitaneando doações, na linha do que já anunciou fazer em outros países, inclusive na América Latina. Empresas de tecnologia chinesa também já entraram em campo.

E teremos governadores e prefeitos, menos interessados nas maquinações de Washington, dando as boas-vindas à ajuda de onde ela vier. A única diferença é que talvez por lá ninguém chegue ao ponto de beijar a bandeira chinesa.

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