Corona-xenofobite. Substantivo feminino. Inflamação aguda provocada pelo preconceito e/ou medo em relação a estrangeiros em função da Covid-19. Infecciosa, espalha-se rapidamente. Agrava-se diante do nacionalismo exacerbado. Pode causar danos permanentes a terceiros.
Desde o fim de janeiro, inúmeros episódios de preconceito contra chineses, descendentes de chineses e outros asiáticos têm feito notícia mundo afora. O preconceito não poupa nem mesmo um médico americano de Nova York, filho de chineses, trabalhando justamente na linha de frente do combate à Covid-19.
Com razão, o governo chinês se insurgiu contra o problema —que a imprensa do país reverberou, oferecendo lições sobre os males da xenofobia.
Passados três meses, são os chineses que se veem na situação incômoda de responder às críticas a respeito do tratamento dado aos estrangeiros no país em função do coronavírus, especialmente aos africanos.
A preocupação da China com uma segunda onda da Covid-19 faz o país ficar atento aos casos dito importados, mesmo que a maioria das situações envolva nacionais chineses voltando para casa.
Na cidade de Guangzhou, no sul da China, a rede McDonald's se viu obrigada a pedir desculpas. Havia proibido a entrada de negros supostamente para evitar a propagação do vírus.
Há vários relatos de africanos expulsos de onde moram por proprietários chineses, barrados em hotéis e restaurantes. Um salão de beleza em Pequim pendurou na porta: “pessoas com temperatura superior a 37,3ºC e amigos estrangeiros não são aceitos. Obrigado por sua compreensão”.
Ao longo da história, doenças foram associadas a determinados grupos, nacionalidades e etnias, alimentando discriminação. No século 14, a peste negra levou a violência contra judeus.
No século 15, a sífilis foi chamada de doença napolitana, francesa, polonesa e alemã em função de quem acusava, como lembrou recentemente o New York Times.
A xenofobia, que já crescia com tendências antiglobalização e anti-imigração, ganha fôlego novo com a pandemia. Têm sua parcela de responsabilidade os líderes que estimulam um nacionalismo do tipo nós-contra-eles e, de maneira mais ou menos sutil, incitam o ódio. Nacionalistas e populistas beneficiam-se do medo em relação ao estrangeiro, que calculadamente incutem ou estimulam nas pessoas.
Mas é preciso reconhecer que muitos se identificam com essas mensagens. A capacidade de reverberação das mídias sociais agrava o problema. E o comportamento inaceitável vai se normalizando a partir das verdades construídas nas bolhas das redes.
As eleições americanas agravarão o problema. A retórica anti-China é aposta segura de todo o espectro político americano. Chineses e americanos de origem chinesa nos EUA sofrerão por extensão.
Em meio à pandemia, uma pesquisa do Pew Research Center divulgada nesta semana mostra que 66% dos americanos agora têm uma visão desfavorável sobre a China, em comparação com 60% no ano passado e 47% no início do governo Trump. A crise sanitária amplifica tensões pré-existentes.
Naturalmente, a sinofobia nos EUA também alimenta o antiamericanismo na China, onde, em tempos de combate ao coronavírus, aumenta a resistência a estrangeiros.
Mundo afora, a recessão que se anuncia tampouco favorecerá a abertura aos que vêm de fora. Em função do histórico da pandemia, o risco de estigmatização de chineses é algo real.
A pandemia passará, seus impactos econômicos perdurarão por algum tempo, mas a xenofobia que cresceu com ela deixará sequelas de longo prazo, afetando a vida das pessoas e o relacionamento entre países.
Seria bom se descobrissem também uma vacina para a corona-xenofobite.
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