O projeto de integração europeu sobreviverá à Covid-19, mas é preciso reconhecer que a União Europeia passa por uma grave crise política em função da pandemia.
Mundo afora, o novo coronavírus trará como consequência o aumento do nacionalismo e o resgate da importância do papel do Estado na economia. A pandemia fará lembrar que governos atuantes e efetivos são necessários.
Ocorre que, em boa medida, os membros da União Europeia abriram mão de soberania sobre seus orçamentos, suas fronteiras e suas moedas em prol de um projeto comum. Ao longo de décadas, a união os fez mais fortes. Agora, há dúvidas.
Na Itália, um dos epicentros da Covid-19, aumenta rapidamente a insatisfação com a União Europeia. Acentuando tendência pré-pandemia, os italianos agora claramente mudaram de campo. De entusiastas da integração, passaram a eurocéticos.
Uma pesquisa neste mês mostrou que 53% dos italianos estariam prontos para sair da União Europeia ou abandonar o euro, segundo a Economist.
Muitos na Europa questionam se a austeridade fiscal que veio com a crise do euro não teria semeado o caos de hoje. Desde 2012-2013, hospitais fecharam e o número de leitos diminuiu na região, afetando especialmente o sul da Europa.
Ao mesmo tempo, é mais fácil culpar Bruxelas e a falta de solidariedade dos vizinhos do norte do que reconhecer que suas próprias autoridades são irresponsáveis. “Milão não pode parar” foi slogan promovido pelo prefeito da cidade antes de a crise explodir.
Para apoiar os esforços de recuperação econômica, franceses propõem um fundo de resgate. Espanhóis falam na necessidade de um novo Plano Marshall, desta vez intra-europeu.
Itália, Espanha e vários outros cobram a solidariedade prometida e insistem na criação de “coronabonds”, títulos que seriam garantidos por todos os países do bloco, inclusive os com bolsos maiores. A Alemanha resiste à ideia.
Não escapou aos desiludidos que o belo discurso da chanceler alemã, Angela Merkel, sobre a crise do coronavírus, não incluiu a palavra Europa sequer uma única vez.
Por enquanto, a resposta à crise no plano europeu é insatisfatória, inclusive pela falta de entendimento comum. Ao mesmo tempo, os países que podem têm, individualmente, tomado medidas para mitigar problemas domésticos.
Membros mais endividados, como Itália, Espanha e Grécia, têm menos recursos e margem de manobra. Para parte dos seus cidadãos, a sensação hoje —justificada ou não— é de que apostaram numa canoa furada ao transferir poderes a Bruxelas e não obter o retorno esperado quando mais precisam dele.
Os otimistas veem na crise uma oportunidade de a Alemanha exercer liderança e responder à altura ao que a própria chanceler chamou de maior teste que a União Europeia já enfrentou.
Em fim de governo, Merkel legaria para a história a capacidade de mobilizar a Europa e comprovar o valor da integração. Entretanto, pesquisas indicam não haver muita disposição entre os alemães para solidariedade financeira neste momento.
A ausência de respostas robustas à crise aumentará o euroceticismo especialmente nos países mais afetados pela pandemia. A frustração com a União Europeia tende a se transformar em pressão para que os países membros recuperem poderes que antes tinham.
No mundo pós-pandemia, capacidade de ação do Estado será ativo mais valorizada, o que aumentará o risco para a União Europeia caso seja percebida como ineficaz.
O cenário de recessão econômica e de esgarçamento do tecido social em todos os países membros agrava o problema porque aumenta as expectativas sobre Bruxelas ao mesmo tempo em que diminui sua capacidade de resposta.
O projeto de integração europeu resistiu a vários choques na última década. Não sem traumas, mas sobreviveu à crise do euro, ao brexit e ao desafio imigratório. Sobreviverá também à pandemia. Mas a situação exige cuidado. A União Europeia está doente —e não se trata de gripezinha.
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