Quando a crise do novo coronavírus eclodiu em Wuhan, houve quem se apressasse em decretar o início do fim do regime político chinês.
Quase que na torcida, alguns analistas aprontavam-se para declarar que, finalmente, Xi Jinping teria perdido o mandato dos céus —conceito que, na China Imperial, justificava o poder do líder.
Enchentes, pragas e revoltas já foram vistas, no passado, como sinal do desgosto divino com a liderança do Império do Meio.
Para completar, a última dinastia imperial chinesa, a dinastia Qing, foi deposta por uma rebelião iniciada justamente onde hoje é Wuhan. Com ela, o império deu lugar à república em 1912.
Para alguns, a hora de Xi —ou mesmo do Partido Comunista Chinês— teria chegado.
Enquanto a crise da Covid-19 concentrava-se na China, alguns antecipavam que o grande teste imposto pelo vírus revelaria as fragilidades de seu modelo político, como a centralização excessiva de poder e a falta de transparência.
A crise afetaria a percepção de Xi como líder infalível e geraria desavenças na cúpula do Partido Comunista, podendo levar a uma revolta —como concluiu Minxin Pei num ensaio para a Foreign Affairs.
As previsões foram mudando com o desenrolar dos acontecimentos. Em pouco tempo, Europa e EUA se viram forçados a encarar o problema antes visto como distante.
Enquanto o mundo desenvolvido tropeçava na resposta à crise, a China saía dela, confiante no seu curso de ação.
Agora, outras vozes se levantam para concluir, então, que a pandemia aceleraria sua ascensão. Previsões econômicas engrossam a tese. Em abril, o Fundo Monetário Internacional estimou que a economia mundial encolheria 3%, enquanto a chinesa ainda cresceria 1,2%.
Nos EUA, a retração seria de 5,95%, e, na zona do euro, de 7,5% em 2020.
Além disso, o encolhimento diplomático dos EUA cria oportunidades que a China busca aproveitar.
Mas o vácuo gerado pelos americanos não garante, por si só, o sucesso das pretensões chinesas. Trata-se de disputa que não se ganha por W.O., simplesmente porque o outro time não apareceu em campo.
É necessário que a atuação político-diplomática do país asiático no contexto da pandemia contribua para a sua ascensão.
Aos olhos do mundo, quanto a China está se ajudando? Ela explora a resposta desastrosa do governo americano à crise para promover as virtudes do modelo chinês.
Faz autopromoção —excessiva aos olhos de alguns— ao doar equipamentos médicos para os europeus. Responde a provocações num tom que surpreende, permitindo o contágio da retórica inflamada.
A realidade é que Pequim enfrenta o desafio de fazer um discurso para duas audiências. Diante de dificuldades econômicas consideráveis para padrões locais, o governo tem apelado ao sentimento patriótico dos chineses, alimentado o nacionalismo e aumentado esforços de propaganda associados ao combate à crise da Covid-19.
Nesse contexto, o que serve ao público interno pode prestar um desserviço aos interesses externos da China.
Os capítulos da história da pandemia ainda estão sendo escritos e, portanto, é cedo para concluir quem sairá melhor dela. É bem possível que a recuperação econômica no país asiático seja mais rápida, permitindo que ocupe mais cedo o posto de maior economia do mundo.
Mas isso não é tudo. O ambiente externo no pós-pandemia pode vir a ser hostil à China, cujas habilidades diplomáticas estão sendo postas à prova.
Os chineses terão, sobretudo, que encontrar maneiras de lidar com o público interno sem criar arestas para o externo. Sem isso, seu caminho rumo ao topo será mais tortuoso.
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