Tatiana Prazeres

Executiva na área de relações internacionais e comércio exterior, trabalhou na China entre 2019 e 2021

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As habilidades negociadoras de Azevêdo farão falta à OMC

Brasileiro com cargo mais alto em organismos internacionais anunciou que deixará direção da instituição

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Lembro-me bem das primeiras horas daquela manhã de novembro de 2013 em Genebra. Antes de o expediente começar na sede da Organização Mundial do Comércio, como de praxe, seria feita a faxina do prédio. Pois me recordo perfeitamente da expressão de espanto da equipe de limpeza ao tentar entrar na sala de reuniões e perceber que, às 7h, ela estava absolutamente lotada.

Negociadores de todas as partes do mundo haviam virado a noite na OMC para tentar concluir o texto do que viria a ser o Acordo de Facilitação de Comércio, em mais de 13 horas reunidos sem interrupção. Naquele momento, apesar de terem resolvido vários pontos pendentes, os diplomatas voltaram para casa exaustos, frustrados e reclamando (com razão) do café da máquina automática.

Àquela altura, as negociações sobre facilitação de comércio estavam em curso havia cerca de dez anos e o rascunho de acordo estava em sua 17ª versão. Apesar disso, com poucos meses na posição de diretor-geral da OMC, Roberto Azevêdo havia conseguido colocar as negociações nos trilhos e convencer os então 160 membros da OMC de que era possível, por consenso, concluir o acordo.

Roberto Azevêdo durante entrevista coletiva na sede da OMC, em Genebra - Fabrice Coffrini -12.abr.2018/AFP

Poucos dias depois da última tentativa dos negociadores em Genebra, os ministros de comércio de todo o mundo se encontraram em Bali, na Indonésia, na reunião do órgão decisório máximo da OMC. Após muitas idas e vindas, lances dramáticos e divergências persistentes, os membros pediram então que Azevêdo apresentasse uma proposta de acordo que, na sua visão, tivesse a maior chance de ser aceita por todos.

Pois o Acordo de Facilitação de Comércio da OMC —o único acordo multilateral em 25 anos história da organização— veio das mãos de seu diretor-geral. Foram os ajustes propostos por ele que viabilizaram o consenso envolvendo 160 posições diferentes.

Como Azevêdo disse na ocasião, ao fazer escolhas difíceis que tocavam os interesses de todos os membros, seu objetivo era que ficassem igualmente insatisfeitos, porque se algum país achasse excelente sua proposta, teria falhado no objetivo de apresentar um resultado equilibrado. Numa plenária lotada, negociadores aplaudiam de pé, emocionados, o momento em que, literalmente, o martelo foi batido e as negociações concluídas com sucesso.

Tal era a desesperança com a OMC, que o jornal O Estado de S. Paulo —decerto precisando fechar a edição do dia— chegou a publicar manchete “OMC confirma fracasso do Tratado de Bali e mergulha em nova crise”. A aposta parecia mesmo segura depois de tantas tentativas frustradas. Mostrou-se errada.

Apesar do êxito da Conferência Ministerial de Bali e do talento de Azevêdo, a organização sentiu os ventos antiglobalização e anticomércio que passaram a soprar com mais força. Outros avanços importantes foram alcançados, como a expansão do Acordo de Tecnologia da Informação em 2015 —outra negociação que se beneficiou diretamente da capacidade de Azevêdo escutar as partes, entender os problemas e propor soluções. Apesar de tudo, é incontornável a conclusão de que estes são tempos extremamente difíceis para a OMC.

Brasileiro com cargo mais alto em organismos internacionais, Azevêdo anunciou hoje (14), em Genebra, que deixará a direção da OMC no mês de agosto, exatamente um ano antes do fim do seu segundo mandato. Evita que discussões sobre sua sucessão coincidam com os preparativos para a próxima conferência ministerial.

As habilidades negociadoras de Azevêdo farão falta à OMC. Que, a seu momento, sejam postas em prática novamente em prol de outras causas nobres.​

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