Tatiana Prazeres

Executiva na área de relações internacionais e comércio exterior, trabalhou na China entre 2019 e 2021

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Ilusões e expectativas sobre a China geram frustração no exterior

Avanço tecnológico e abertura econômica não têm relação direta com valores da democracia

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É duro reconhecer, mas o incômodo de muitos em relação à China tem a ver, em parte, com ideias ultrapassadas sobre o país ou ilusões alimentadas a respeito da trajetória que viria a seguir.

Pense por exemplo na relação entre regime político e capacidade de inovação na China. Muitos gostavam de acreditar que o país asiático, sem liberdade de expressão e fluxo livre de ideias, nunca poderia ser um celeiro de inovação.

Reunião dos líderes do Partido Comunista da China, em Pequim - Ju Peng - 28.mai.2020/Xinhua

Vários encontravam conforto na ideia de que, na ausência do ambiente aberto e estimulante das democracias liberais, a China seguiria apenas copiando ou, no máximo, adaptando e fazendo inovações incrementais.

Não poderia, nessas bases, superar tecnologicamente EUA e Europa.

A Harvard Business Review publicou artigo intitulado “Por que a China não consegue inovar” em 2014, quando já era evidente que a China inovava.

Kaiser Kuo, do podcast Sinica, resumiu bem a questão há uns anos, ao dizer que existe (ainda existirá?) esta estranha crença de que um sujeito não consegue desenvolver um aplicativo se não souber o que realmente aconteceu na praça da Paz Celestial.

Em 2019, a China passou os EUA e se tornou o país que mais apresentou pedidos de patente no mundo. Uma empresa chinesa —a Huawei— foi, de longe, a que protocolou o maior número de pedidos.

Evidentemente, esse é apenas um indicador de inovação. As empresas mais inovadoras seguem sendo americanas (segundo o ranking da Forbes), e a China está tecnologicamente atrás em muitíssimas áreas.

O mito da inviabilidade da inovação, no entanto, levou à complacência de competidores e impediu muitos de entender a natureza da concorrência gerada pela China.

Outra dessas ilusões refere-se ao impacto da abertura econômica para a mudança de regime político. O argumento é (ou era) de que, ao expor sua economia ao restante do mundo, seria impossível para a China preservar seu modelo político.

Segundo essa visão, outros valores das democracias liberais ganhariam força no país à medida que a economia chinesa fosse mais exposta à realidade internacional.

No momento em que a China foi aceita na OMC (Organização Mundial do Comércio), em 2001, essa crença era muito presente nos EUA. Num discurso na Universidade Johns Hopkins, em 2000, o então presidente Bill Clinton disse que a entrada do país asiático na OMC aceleraria seu processo de reforma política.

Afirmou que as mudanças econômicas forçariam a China a se confrontar mais cedo com certas escolhas políticas (democracia?) e ajudariam a promover direitos humanos no país.

Naturalmente, ao entrar na OMC, a China comprometeu-se com regras comerciais —e pode-se discutir quão bem ou mal as cumpre. Mas os chineses não prometeram realizar os sonhos dos outros.

É possível que a crença na inevitabilidade da transformação política em função da economia tenha sido alimentada pela experiência do fim do comunismo na União Soviética, de fato acelerado pela abertura econômica. Mas se provou um engano acreditar que o mesmo ocorreria na China.

A lógica das expectativas frustradas também se aplica a Hong Kong. O território foi devolvido pelos britânicos à China em 1997, sob o compromisso de que a autonomia da região seria respeitada até 2047. Na época da devolução, imaginava-se que, ao longo desses 50 anos, o regime político chinês viria a se aproximar de modelos mais palatáveis para o Ocidente.

Muitos seguirão alimentando ilusões se continuarem tratando com a China errada —a China do passado ou a China dos seus sonhos.

Estereótipos, ideias vencidas e expectativas geradas a partir de valores das democracias liberais contribuem para a sensação de desconforto em relação ao país.

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