Em 2013, Xi Jinping anunciou o que viria chamar de “projeto do século” —uma iniciativa, estima-se, de pelo menos US$ 1 trilhão (R$ 4,98 trilhões) em infraestrutura ao redor do mundo.
Eis que, pouco depois da largada, a Iniciativa do Cinturão e da Rota (ou BRI, sigla para Belt and Road Initiative) encontraria no caminho uma crise econômica de proporções colossais.
Como a mudança de circunstâncias afeta a principal iniciativa da política externa chinesa sob Xi Jinping?
O que está em jogo para a China, que investiu capital político para obter apoio de mais de 130 países e que está investindo recursos financeiros em ferrovias, rodovias, portos, energia e conexão digital sob o selo da BRI?
A realidade é que, com uma recessão iminente, muitos dos que recebem esses investimentos não terão condições de arcar com seus compromissos. Como Paquistão e Egito, vários outros recentemente pediram à China a renegociação de suas dívidas.
Os financiamentos da BRI costumam contar com ativos importantes em garantia, como minas e portos, inclusive porque normalmente quem toma esses empréstimos tem risco de crédito alto. A China pode recorrer a essas garantias se necessário —mas com custo político alto neste momento de enormes dificuldades para países mais pobres.
Em 2017, num episódio emblemático, os chineses assumiram por 99 anos o controle do porto de Hambantota, no Sri Lanka, quando o país não conseguiu honrar os compromissos financeiros.
As críticas ao desfecho do caso serviram como sinal de alerta para Pequim. As vozes mais duras acusaram a China de praticar a diplomacia da armadilha da dívida, como se buscasse deliberadamente endividar outras nações para aumentar seu poder sobre elas.
Pequim sabe que enfrenta uma dose de desconfiança em relação à BRI, mesmo que Hambantota tenha sido um episódio absolutamente isolado. Autoridades chinesas lembram que várias iniciativas avançam bem ou já foram concluídas com sucesso, como o caso da revitalização do Porto de Pireus, na Grécia.
Com a recessão atingindo países parceiros, a China enfrenta decisões difíceis sobre a BRI.
Se for flexível a ponto de perdoar as dívidas, enfrentará críticas internas. As finanças do país também estão sob pressão e, ademais, alguns sempre questionaram a aplicação desses recursos vultosos no exterior.
Se for rigorosa no cumprimento dos acordos, estará sujeita, no plano externo, a acusações de comportamento econômico predatório. Além disso, colocará em xeque as boas relações com os países receptores dos investimentos, um objetivo chave da BRI.
A China deve tomar o caminho do meio, equilibrando-se entre preocupações internas e externas, entre prioridades econômicas e políticas.
Isso significa flexibilizar prazos e juros, mas sem chegar ao ponto de transformar empréstimo em doação. Também deve evitar a execução de garantias que levem à apropriação de ativos estrangeiros.
É de se esperar que a China tire o pé do acelerador e aproveite a oportunidade para promover ajustes de rumo na BRI.
Deve fazer uma depuração dos projetos, evitando os mais arriscados. Deve acentuar ênfase em projetos de infraestrutura digital e economia verde —uma inflexão que já buscava fazer. Dado o momento, acrescentará à iniciativa projetos na área da saúde, promovendo a “Rota da Seda da Saúde”.
Desde seu lançamento, a BRI foi visto como um conceito vago, a começar pelo seu próprio nome.
Pois como muito na China, ideias elásticas, com foco e regras flexíveis, permitem ajustes de rumo, conferem margem de ação para o governo.
Esta é uma das horas em que a plasticidade da conceito do BRI mostra seu valor. Até porque suspender o projeto do século não é uma opção.
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