Tatiana Prazeres

Executiva na área de relações internacionais e comércio exterior, trabalhou na China entre 2019 e 2021

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Tatiana Prazeres

Metas chinesas para poluição e eventual vitória de Biden criam espaço para agenda climática

Pequim anunciou na ONU que atingirá neutralidade nas emissões de carbono até 2060

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Em meio a tanto ruído na última Assembleia Geral da ONU, houve algo de positivo que merece ser examinado. A China anunciou que alcançará neutralidade nas emissões de carbono até 2060. Ou seja, até lá pretende zerar o saldo entre o que emite de carbono e o que captura.

O anúncio de Xi Jinping foi recebido com surpresa. Muitos avaliavam que a saída dos EUA do Acordo de Paris tivesse tirado a pressão sobre a China. Ou, no mínimo, que a China fosse esperar o resultado das eleições dos EUA para, numa eventual vitória de Joe Biden, tentar maximizar a contrapartida dos americanos.

Além da surpresa, o anúncio gerou certo ceticismo. Com cerca de 28% das emissões globais de carbono, a China é líder mundial nesse quesito. Teria que fazer uma transformação brutal da sua economia para atingir a meta. Esses e outros compromissos assumidos pelo governo chinês são vistos com desconfiança em algumas partes.

Homem usa máscara para evitar "smog" (nuvem tóxica) no distrito comercial de Pequim, em 2018
Homem usa máscara para evitar "smog" (nuvem de ar poluído) no distrito comercial de Pequim, em 2018 - Jason Lee - 14.nov.18/Reuters

Críticas também surgiram. O prazo de 2060 seria distante demais. O movimento chinês seria motivado pelo interesse em promover a imagem externa do país. Para muitos, da Economist ao Financial Times, o anúncio teria pecado pela falta de detalhes, pela ausência de uma explicação a respeito de como a China atingiria a tal meta.

Críticas e excesso de ceticismo perdem de vista o que importa. Em primeiro lugar, a decisão tem valor em si mesma. Em segundo, tem o potencial de influenciar positivamente as negociações internacionais sobre mudanças climáticas.

Céticos e críticos tendem a subestimar o poder das metas no modelo político chinês. Uma meta como essa orienta esforços de todo o setor público, incluindo províncias e cidades, bancos e empresas estatais. Influencia alocação de recursos e favorece o desenvolvimento de novas tecnologias. Agiliza mudanças regulatórias e o ajuste de incentivos financeiros para a mudança da matriz energética.

Claro, não há garantia de que a meta será efetivamente atingida, mas o compromisso público é sinal de que, sim, a máquina chinesa será posta em marcha numa dada direção. Em se tratando do país que, de longe, mais emite CO₂ no mundo, isso tem grande valor.

Ao mesmo tempo, o anúncio pode favorecer as negociações sobre aquecimento global, mesmo que elas dependam cada vez mais da dinâmica conflituosa entre China e EUA e menos de fatores inerentes à agenda do clima.

Pequim resistia à adoção de prazo para a neutralidade, inclusive porque suas emissões cresceram fortemente nas últimas duas décadas. A nova posição chinesa aumenta a pressão sobre os EUA, que seguem sem prazo para zerar seu saldo de carbono, ainda que suas emissões estejam em queda desde 2009.

Uma eventual eleição de Biden, por si só, já seria um divisor de águas na discussão sobre aquecimento global. O anúncio chinês, no entanto, antecipa a possibilidade de um alinhamento inédito dos astros envolvendo os maiores emissores mundiais de carbono.

China, Estados Unidos e União Europeia, que em conjunto respondem por cerca de 45% das emissões globais, poderiam vir a ter não apenas uma visão compartilhada mas também prazos parecidos em relação a neutralizar emissões.

Uma vitória democrata nas eleições americanas combinada com a decisão de Xi podem alterar substancialmente a configuração do tabuleiro das negociações climáticas ao criar um ambiente mais cooperativo no centro do sistema internacional.

A relação entre China e EUA seguiria muito difícil num eventual governo Biden, mas pelo menos a agenda ambiental poderia ter uma nova chance.​

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.