Tatiana Prazeres

Executiva na área de relações internacionais e comércio exterior, trabalhou na China entre 2019 e 2021

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Pragmatismo aproxima Pequim e Vaticano e facilita nomeação de bispos na China

Para Santa Sé, acordo pode melhorar situação de católicos no país asiático, que mostra poder de negociação

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Na movimentada rua Wangfujing, no centro de Pequim, a igreja St. Joseph atrai chineses e expatriados católicos que por aqui vivem. Apesar da aparência, não se trata exatamente de uma igreja católica, mas de estabelecimento vinculado à chamada Associação Patriótica Católica Chinesa, que, em última instância, responde às autoridades chinesas, e não ao papa.

Pequim e Vaticano discutem, neste momento, a extensão de um acordo a respeito da nomeação de bispos na China. Assinado em 2018 em base experimental, o trato, cujo texto infelizmente não é público, expira em 22 de outubro caso não seja renovado.

Cristãos durante missa em catedral de Pequim
Cristãos durante missa em catedral de Pequim - Nicolas Asfouri - 22.set.18/AFP

Segundo o entendimento em vigor, a nomeação de bispos envolve um processo de consultas e requer a aprovação tanto da Santa Sé quanto da República Popular da China. Antes do acordo de 2018, bispos e padres contavam apenas com o endosso da Associação Patriótica.

Estima-se que a China tenha cerca de 10 a 12 milhões de católicos, num total muito maior de cristãos, especialmente protestantes. Parte dos católicos segue a Associação Patriótica, com sua igreja católica chinesa, e outra parcela, tradicionalmente leal ao Vaticano, reúne-se de maneira informal ou clandestina desde a Revolução Comunista em 1949 e a expulsão dos missionários estrangeiros do país.

A aproximação entre Pequim e Santa Sé, buscada há décadas, ainda enfrenta grandes resistências. Para começar, além dos traumas do passado, o ambiente político-diplomático é desfavorável: o Vaticano mantém relações diplomáticas com Taiwan, e não com Pequim.

Na essência, para Pequim, não é trivial a ideia de que os chineses sejam leais a outra instituição que não o Partido Comunista, especialmente uma poderosa e comandada por estrangeiros.

Para o Vaticano, entre outras questões, é difícil aceitar que seus bispos precisem ser também endossados por outra instituição que não a Santa Sé para que possam atuar.

“A religião na China será chinesa na sua orientação” —esta é a linha de discursos e documentos oficiais no país. Se o conceito choca batinas vaticanas, não surpreende cidadãos chineses —afinal, tudo aqui tem características chinesas e, como disse Xi Jinping, o partido comanda de norte a sul, leste a oeste.

Não é coincidência que a aproximação com a China receba impulso de um papa jesuíta. Francisco parece seguir a linha da acomodação cultural –onde for possível, sem ceder no essencial.

O orientação faz lembrar o missionário Matteo Ricci, também jesuíta, que, ao final do século 16, percebeu ser essa a única maneira de ganhar algum espaço na cultura milenar chinesa e buscou conciliar a doutrina ética confucionista com os valores cristãos. Uma estátua em homenagem a Ricci, que ganhou respeito do império na dinastia Ming, hoje guarda a chamada igreja católica do sul de Pequim.

Além de pensarem a longo prazo, autoridades de Pequim e do Vaticano aproximam-se num aspecto-chave para o sucesso de uma negociação como esta: ambos parecem munidos de boa dose de pragmatismo.

Para a Santa Sé, o acordo poderá melhorar, gradualmente, a situação dos católicos na China. Para o país asiático, o entendimento demonstra capacidade de o governo negociar, fazer concessões e tolerar o que poderia ser visto como influência externa indesejada.

Frequentadores estrangeiros da St. Joseph possivelmente não notam qualquer distinção em relação às missas a que estão acostumados, mas as diferenças entre o Partido Comunista Chinês e a Igreja Católica são históricas e significativas.

O arranjo pouco ortodoxo para a nomeação de bispos na China fortalece o equilíbrio ainda frágil entre o governo chinês e as autoridades do Vaticano, mesmo não sendo ideal para nenhum deles.

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