Pode parecer estranho, mas o título é este mesmo. Trata-se da maneira como um assessor de Joe Biden teria definido as prioridades da política externa do próximo presidente dos EUA.
Muitos já especularam o que Joe Biden quer da China —inclusive esta coluna. Não sem motivo. Trata-se do relacionamento mais importante para o mundo nas próximas décadas.
Biden assume o bastão no pior momento da relação China-EUA. O sentimento anti-China entre os americanos atinge níveis históricos. A preocupação —a quase obsessão— com a China é um dos raríssimos pontos de convergência entre republicanos e democratas.
O novo presidente americano terá a chance de evitar erros e frustrações do passado. Diagnósticos equivocados, expectativas irrealistas em relação à China e ilusórias sobre o papel dos EUA no mundo explicam muito do ressentimento e da hostilidade a respeito do país asiático.
No passado, os EUA tentaram mudar a China. Muitos cultivaram as relações na expectativa do momento em que um Gorbatchov chinês emergiria triunfante, do momento em que a abertura econômica levaria à liberalização política e ao esfacelamento do Partido Comunista.
Nada disso ocorreu. A China não se ocidentalizou, não se tornou uma democracia liberal. A expectativa frustrada se transformou em ressentimento e gerou desconfiança.
Muitos nos EUA tinham naturalmente uma visão mais sofisticada sobre a China. Buscavam engajamento com os chineses, não para mudar a China, mas para fazer dela, na expressão conhecida, “um ator responsável na ordem internacional”.
A ideia era trazer o país asiático para uma ordem concebida e liderada pelos americanos, influenciando sobretudo sua atuação externa. Em 2001, com o apoio fundamental dos EUA, a China entrou na Organização Mundial do Comércio, por exemplo. Mas os defensores do chamado “engajamento construtivo” foram acusados —injustamente, eu diria— de terem falhado.
Com o crescimento da China e a política de engajamento vista como um fracasso, os EUA ajustaram o alvo. Com menos ilusões sobre mudar o país e seu regime político, passaram a concentrar esforços em conter os chineses.
Sob Donald Trump, o engajamento deu lugar a uma atuação caótica, que incluiu hostilidade e desengajamento —o chamado "decoupling"— para, aparentemente, tentar segurar a China. Vieram sanções, restrições a investimento e tecnologia, além de pressão para que outros países seguissem a cartilha.
Pois os EUA não mudarão o regime político chinês e não impedirão o crescimento da China. Se seguirem buscando objetivos como esses, estarão fadados a fazer da China uma inimiga —em vez de competidora ou mesmo rival.
Para inimigos, não há parâmetros que permitam conter as tensões e administrar as diferenças. Entre competidores ou rivais, há regras do jogo. Os americanos sairão ganhando se souberem definir essas balizas para o relacionamento bilateral enquanto ainda ocupam a posição de liderança.
Além de evitar erros do passado, Biden terá a oportunidade de definir novas bases para as relações com a China —apesar das circunstâncias internas desfavoráveis.
O establishment americano ainda acredita que o fato de a China ocupar fatia maior no PIB mundial ou ter pretensões dignas de uma potência é resultado exclusivo de políticas equivocadas por parte dos EUA.
Como se a ascensão da China não pudesse ser explicada por outros fatores que não o que Washington faz ou deixa de fazer. Como se o papel dos chineses nesse processo fosse irrelevante.
Mais do que China, China, China, a questão de fundo é como Biden lidará com as mudanças estruturais em curso na ordem internacional e que, sim, têm a ver com o fato histórico de que os EUA não estão destinados a reinarem sozinhos para sempre.
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