Tatiana Prazeres

Executiva na área de relações internacionais e comércio exterior, trabalhou na China entre 2019 e 2021

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Descrição de chapéu China

Que diferença faz o mega-acordo comercial da Ásia?

Na arquitetura comercial da região, China preenche vácuo deixado pelos EUA

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A conclusão do maior acordo de livre-comércio da história fez notícia nos últimos dias. O arranjo inclui China, Japão e Coreia do Sul —além de Austrália, Indonésia, Nova Zelândia, Malásia, Vietnã, entre outros.

Batizado de Parceria Regional Econômica Abrangente (RCEP na sigla em inglês), o acordo cobre quase um terço do PIB e da população mundial.

Os críticos argumentam que, apesar dos números, o RCEP não fará muita diferença. O arranjo seria pouco ambicioso e, além disso, boa parte dos países do bloco já tem acordos de livre-comércio entre si.

As críticas subestimam o potencial econômico do RCEP e, principalmente, perdem de vista seu valor estratégico diante da rivalidade entre China e EUA.

moedas
Moedas e notas de Yuan, moeda chinesa; China faz parte de pacto comercial com Japão e Coreia do Sul pela primeira vez - Petar Kujundzic/Reuters

Primeiro, o aspecto econômico minimizado por muitos: é fato, há vários acordos ligando membros do RCEP —mas o novo acordo preenche lacunas importantes, por exemplo, conectando China e Japão, a segunda e a terceira economias mundiais, que até agora não tinham entre si um acordo de livre-comércio.

Mas, principalmente, o RCEP atuará como catalizador da integração na Ásia, sobretudo porque favorece o funcionamento de cadeias de valor dentro da região. O acordo facilita a vida de empresas que exportam para vários destinos ou que têm fornecedores em mais de um país do RCEP.

Isso porque o acordo harmoniza e flexibiliza regras de origem —as regras para o chamado “Made in”— contidas nos vários arranjos preexistentes entre os membros.

Com isso, o mega-acordo estimula o comércio intra-regional e os investimentos no bloco. É um passo extra na consolidação da Ásia como o pólo mais dinâmico da economia global.

Para além do aspecto econômico, a dimensão política do RCEP tem grande valor —especialmente para a China. Se ainda não estivesse claro, o RCEP serve de lembrete: o mundo não vai esperar Washington colocar a casa em ordem para então decidir se quer, ou como quer, novos acordos comerciais.

Vale uma pequena retrospectiva aqui: em 2016, Barack Obama, na sua política de reorientação para a Ásia, concluiu a chamada Parceria Transpacífica —um acordo comercial ambicioso envolvendo 12 países. O TPP, na sigla em inglês, fortaleceria presença americana e serviria de contrapeso à influência chinesa na região.

Em 2017, Donald Trump, num de seus primeiros atos na Casa Branca, anunciou a retirada dos EUA do TPP. Talvez não esperasse que os demais seguiriam adiante sem os americanos —o acordo de 12 países foi repaginado num com 11.

Desde então, a China acelerou esforços para concluir o RCEP, consolidando sua presença na região e minando os esforços dos EUA para isolá-la. A conclusão do RCEP evidencia a fragilidade do chamado decoupling.

Quanto mais a China se integra à Ásia, mais custoso fica para os EUA descolar-se da China. Se, para funcionar, o decoupling exigiria que os demais países tomassem partido dos EUA, a conclusão do RCEP, inclusive com importantes aliados americanos, mostra os limites da ideia.

O RCEP cria novo problema para Joe Biden, que sentirá pressão para que os EUA não fiquem para trás na Ásia. Mesmo que o TPP tenha sido negociado com Biden na Vice-Presidência dos EUA, seria custoso para o futuro presidente retomar o projeto —ou juntar-se ao que restou dele.

Se é que o governo Trump tinha uma política comercial para a Ásia, ela falhou. Além de resultados minguados na queda de braço com os chineses, os anos Trump viram a conclusão do TPP excluindo os EUA e a do RCEP incluindo a China. À moda de Trump, o presidente americano destruiu o que existia e não colocou nada no lugar. O vácuo foi rapidamente ocupado.

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