Joe Biden tem a oportunidade de revitalizar a Organização Mundial do Comércio depois de quatros anos de destruição promovidos por Donald Trump. Não que a OMC fosse perfeita, longe disso. Mas ninguém foi tão prejudicial à Organização quanto o atual presidente americano.
Visto como um defensor do multilateralismo, Biden poderá inovar e fazer da OMC parte integrante de sua estratégia comercial. Se seu objetivo é aumentar a pressão sobre Pequim, poderá usar a OMC como plataforma para mobilizar aliados com esse fim.
Enquanto Trump esvaziava a OMC, não custava nada para a China se posicionar como grande defensora da Organização. Pequim buscou fazer isso nos últimos anos, mas especialmente pós-eleição de Trump. Num famoso discurso de janeiro de 2017, Xi Jinping foi a Davos e disse o que o mundo queria ouvir.
Não que tenham sido palavras vazias —é certo que a China gostaria de ver uma OMC capaz de conter o unilateralismo e a discriminação de que tem sido alvo. A questão é: que concessões estaria disposta a fazer para reformar a Organização? Enquanto os EUA não estavam interessados na OMC, a pergunta nem sequer se colocava.
Da mesma forma, se os EUA voltarem à ativa na Organização, não bastará reclamar que as regras da OMC seriam injustas, que teriam deixado espaço para subsídios industriais e atuação desimpedida de empresas estatais chinesas. Corrigir o que veem como injustiça não sairá de graça. Sob Biden, no entanto, haverá, pela primeira vez em anos, a chance de que ocorra uma conversa para valer sobre reforma da Organização.
Biden tem a oportunidade de, logo na largada, ajudar a OMC e, ao mesmo tempo, a reputação americana. O novo presidente poderia desbloquear a nomeação da próxima diretora-geral da Organização, a candidata nigeriana que, na última hora, foi vetada pelos americanos sem muitas explicações.
Esse gesto seria um bom ponto de partida para começar a reparar os danos do Trumpismo à OMC e a confiança entre os membros. Contribuiria também para preparar o terreno para um diálogo construtivo sobre temas caros aos americanos, como o que entendem ser práticas desleais da China. A disputa China-EUA seguirá sendo travada no âmbito bilateral, mas a OMC pode —e deve— fazer parte dos planos de Biden.
O time Biden também terá que se posicionar sobre o chamado tribunal da OMC. A administração Trump paralisou o sistema de solução de controvérsias da Organização ao bloquear sistematicamente a nomeação de novos “juízes”, ao final do mandato dos que estavam em atuação. O órgão de apelação da OMC deveria ter sete membros, e está sem nenhum graças aos americanos.
Biden poderia simplesmente reverter o bloqueio que deixou os demais 163 membros da Organização sem um mecanismo para garantir a efetividade das regras negociadas. Mas talvez seja ingênuo acreditar que fará isso. Possivelmente utilizará a situação como instrumento de barganha para obter concessões dos demais.
Isso no entanto já representaria um avanço. A meta do time Trump era simplesmente acabar com o tribunal da OMC. Se, sob Biden, o mecanismo de solução de controvérsias virar objeto de negociação, significa que pode ser ressuscitado.
A mudança de governo nos EUA representa uma oportunidade para OMC e para todos os seus membros — inclusive o Brasil, que tem a ganhar com uma reforma da Organização, com regras mais adequadas para o comércio internacional de hoje, com um tribunal que funcione, com negociações num foro em que o país tem voz.
Depois da destruição promovida pelo vendaval chamado Trump, talvez não venha a bonança —mas pior não fica.
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