No embalo das comemorações do centenário da Folha, um leitor me sugeriu analisar a cobertura que o jornal fez da China nesses 100 anos. Sinto desapontar o exigente leitor. Mas a sugestão me fez pensar sobre a China na imprensa estrangeira, e na Folha em particular.
Dado o nível de desconhecimento sobre China —não apenas, mas também no Brasil—, a tarefa de acompanhar e entender melhor o país asiático é urgente. Para isso, faltam correspondentes estrangeiros na China. Faltam sinólogos no Brasil. Falta gente que navegue entre culturas diferentes, que fale mandarim, que capture as nuances.
No Brasil e em outras partes, sobram opiniões apaixonadas, posições categóricas e visões definitivas sobre China. Faltam informação e análise.
É impossível entender minimamente o mundo hoje sem conhecer um pouco da China. Disse isso há mais de 70 colunas, quando comecei a escrever para a Folha. Segue valendo hoje. Para quem perdeu a notícia, a China deve ser a primeira economia do mundo antes de 2030. A pandemia antecipou as previsões. Claro, a economia não explica tudo, mas seguramente importa e tem repercussões sobre outros aspectos da vida internacional.
Para complicar, o mundo está na mão de pouquíssimos veículos da imprensa estrangeira baseados aqui. São eles que filtram o que se acompanha da China no exterior. Na falta de uma cobertura mais rica e diversa, são basicamente a revista britânica The Economist e os jornais The New York Times (EUA) e Financial Times (Reino Unido) que informam a opinião pública internacional sobre a China. Há outros, claro, mas são literalmente uns poucos que pautam as conversas, fora da China, a respeito do país.
Se não bastasse isso, com as tensões entre China e EUA, jornalistas tiveram credenciais cassadas de ambos os lados no ano passado. E um punhado de jornalistas estrangeiros com experiência na China deixaram o país, limitando ainda mais a cobertura estrangeira aqui.
No ano passado, a Folha tomou a decisão acertada de estabelecer uma parceria com o Caixin, um dos poucos veículos que, da China, fazem reportagem investigativa. O Caixin, ademais, costuma explorar ângulos mais originais ao tratar do país. Um olhar chinês sobre a China obviamente importa, e a Folha agregou diversidade à sua cobertura. Um correspondente do jornal aqui seria claramente um ganho ainda maior para o leitor.
Em se tratando de China, há ainda um mundo a ser explorado pela imprensa brasileira. Pensei nisso enquanto a Globonews esmiuçava, condado a condado, os votos das eleições presidenciais americanas numa maratona que se estendeu por dias.
Pensei na nossa ignorância sobre China quando vi a bela série que a Folha publicou, no contexto das eleições nos EUA, investigando “os diferentes microcosmos que são cada um dos 50 estados americanos”.
Não pude deixar de me perguntar se o leitor saberia dizer o nome de cinco províncias chinesas. Três? Não, cidade não conta. Falando em cidade, um dia ainda vou escrever sobre Chongqing. A maior cidade do mundo de que ninguém nunca ouviu falar.
Aliás, no ano em que a Folha completa 100 anos, quem também comemora o centenário é o Partido Comunista Chinês. Vou aguardar uma reportagem especial sobre esse tema. Presente do jornal para o leitor.
Fazer uma cobertura informada e equilibrada, trazer análises e opiniões bem fundamentadas sobre a China não é desafio apenas da Folha, é da imprensa de todo o mundo. Mas o jornal tem lá seus leitores exigentes.
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