Tatiana Prazeres

Executiva na área de relações internacionais e comércio exterior, trabalhou na China entre 2019 e 2021

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Descrição de chapéu Ásia tecnologia

China dobra aposta em tecnologia

País mobiliza grandes investimentos para projetos de tecnologia em estágios iniciais

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Volumes fabulosos de recursos já foram investidos no desenvolvimento de semicondutores e, apesar disso, a China segue altamente dependente da importação desses insumos.

Anos de expectativas frustradas incomodam o governo chinês. Não apenas porque isso evidencia a dificuldade de transformar desejos em realidade, mas também porque coloca a China numa posição vulnerável do ponto de vista tecnológico.

Do total de semicondutores que consome, a China produz apenas 30% e importa o restante, numa proporção que há anos insiste em não se alterar.

A China depende de chips para produzir outros bens, para exportar e para inovar. Produtores de carros chineses, por exemplo, importam 90% dos semicondutores de que necessitam.

Um funcionário trabalha em uma fábrica de semicondutores em Nantong, na província de Jiangsu, leste da China
Um funcionário trabalha em uma fábrica de semicondutores em Nantong, na província de Jiangsu, leste da China - 17.mar.2021/AFP

Os EUA enxergaram na fragilidade chinesa uma oportunidade. Adotaram medidas para restringir suas exportações de semicondutores para a China. Foram além e criaram dificuldades para que empresas estrangeiras mesmo fora dos EUA vendessem, para a China, equipamentos e software para a produção de chips.

Ainda que em escala menor, histórias parecidas se repetem em outras tecnologias. É extensa a lista de empresas chinesas proibidas de fazer negócios com firmas americanas. Com isso, limita-se o acesso chinês a certos insumos estratégicos.

Qual a consequência do outro lado do mundo? O Estado-investidor chinês aumenta seu apetite pelo risco. Pequim passa a atuar como um “venture capitalist” —como argumentou Arthur Kroeber num webinário organizado pelo Cebri e Conselho Empresarial Brasil-China nesta semana.

Claro, investimentos em política industrial, em tecnologia e mesmo em autossuficiência não são novidade na China. No entanto, agora Pequim mais que dobrou a aposta.

O que há de novo são a ousadia na maneira de investir, o volume de recursos envolvidos na empreitada e a coerência estratégica da intervenção do Estado, segundo Kroeber.

Pequim passa a mobilizar grandes investimentos em setores intensivos em tecnologia, especialmente para vários projetos em estágios iniciais —arriscados, mas potencialmente promissores.

Como é típico do modelo de “venture capitalism”, nem todas as apostas vão se revelar acertadas. Mas, claro, a ideia é de que haja vencedores suficientes para compensar os investimentos que inevitavelmente fracassarão.

Apesar de tudo, o sucesso não é garantido. As dificuldades normalmente associadas a política industrial estão presentes também na China. Há espaço para desperdício, favorecimentos, distorções e corrupção.

Quando, no ano passado, Pequim definiu novos incentivos para o desenvolvimento de semicondutores, empresas de todos os tipos se aprontaram para pleitear benesses. O governo precisou agir para evitar abusos. Definiu três “nãos”. Empresas sem experiência, sem tecnologia e sem capital humano na área não deveriam se aventurar aí —não com recursos públicos.

Se o intervencionismo estatal tem seus riscos, a lógica do relacionamento entre Estado e mercado na China, no entanto, sempre foi diferente. O setor público é visto sobretudo como parte de solução e não como o problema na economia.

Expressões como China Inc. e capitalismo de Estado, por exemplo, representam o esforço de capturar a essência deste modelo híbrido —e que também se transforma. Mas enquanto o resto do mundo aponta para as contradições, os chineses enxergam as sinergias da relação.

Nas atuais circunstâncias, a dependência tecnológica da China e o ambiente internacional difícil para o país contribuem para a ousadia do Estado-investidor. Não por acaso o recém-adotado plano quinquenal prioriza autossuficiência tecnológica.

Se fosse um investidor privado, a China de hoje teria perfil arrojado. O risco é alto, mas o retorno também pode ser. Em jogo, estão os rumos da competição tecnológica, econômica e geopolítica. Com bolsos mais fundos que no passado, Pequim está disposta a pagar para ver.

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