Tatiana Prazeres

Executiva na área de relações internacionais e comércio exterior, trabalhou na China entre 2019 e 2021

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Indústria de atividades extracurriculares para crianças preocupa governo chinês

Agenda carregada tem impactos na saúde física e mental dos pequenos

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No início de uma noite de domingo, vi cerca de 30 crianças descendo, amontoadas, a escada rolante de um centro comercial de Pequim. No contrafluxo, fui entender o que era. Estavam todas saindo de uma escola que ensina programação, inglês e matemática como atividade extracurricular. Inclusive aos domingos.

Uns meses depois, uma brasileira recém-chegada à cidade me contou que, para o aniversário do filho pequeno, havia convidado os 15 colegas da escola para ajudar a enturmar o menino. Escolheu uma ótima casa de festas infantis de Pequim, certa de que seria um sucesso. Apareceram três crianças. Todas as demais estavam ocupadas, num sábado à tarde, com aulas particulares.

Estudante durante aula em escola primária na província de Fujian, na China
Estudante durante aula em escola primária na província de Fujian, na China - Jiang Kehong - 1º.mar.21/Xinhua

Longe de serem episódios isolados ou insignificantes, as histórias são representativas de algo que o governo chinês encara com seriedade. A indústria de atividades extracurriculares foi tema da principal sessão legislativa do ano, em março. Trata-se de “um problema social”, concluiu a liderança do país.

Pois eu acho que eles têm razão em se preocupar. Pensei nisso ao preencher o formulário de matrícula do meu filho na escola. Uma das questões: liste os pontos fortes e pontos fracos do seu filho. De uma criança de três anos? Sério? O questionário parecia vindo diretamente de uma entrevista de emprego.

Com poucos dias de aula, recebi a lista de oferta das atividades extracurriculares. Fiquei imaginando como seria o curso de “inglês de Cambridge” para alunos que mal haviam deixado as fraldas.

A competição pelo acesso às melhores escolas do ensino médio é a explicação imediata para a máquina de atividades extracurriculares nas grandes cidades chinesas. Ao mesmo tempo, o fenômeno reflete questões culturais mais profundas. A concorrência no país é elevada, assim como são as ambições e as expectativas.

A agenda carregada tem impactos na saúde física e mental dos pequenos. E no bolso dos grandes. Pesquisa citada pelo site de notícias Caixin indica que 92% dos pais matriculam seus filhos em atividades extracurriculares. Metade deles gasta mais de US$ 1.500 (R$ 8.300) por ano apenas com essas aulas.

As implicações sociais são evidentes. As melhores escolas, que favorecem o ingresso nas universidades de ponta, acabam tendo suas vagas preenchidas por crianças que tiveram acesso a ajuda extra —e bem— remunerada.

O governo chinês vai recorrer a regulação para atenuar o problema. Disciplinará melhor a atuação das empresas que oferecem esses serviços. O mercado percebeu rapidamente que isso ocorreria —e empurrou para baixo o valor das ações dessas companhias na sequência da reunião do Congresso do Povo.

Regulação com esse objetivo está atingindo também o mercado imobiliário. Normalmente, o local de residência define a escola pública a que se tem acesso. Pois os imóveis nas redondezas dos melhores colégios de Pequim e Xangai têm preços extraordinários. Os apartamentos são anunciados como ponte para uma escola de elite. Com razão, autoridades querem rever a lógica que perpetua a desigualdade.

Para atacar o problema, o governo pretende atuar também no lado da oferta, aumentando o número de bons colégios. Isso ajudaria a fazer o sistema menos elitista e reduziria a pressão sobre crianças e adultos.

Por outro lado, é difícil diminuir a demanda dos pais por atividades extracurriculares. Os chineses reconhecem o problema. Mas seguem reproduzindo a prática que criticam porque, afinal, o filho do vizinho agora está fazendo um curso de preparação para as olimpíadas mundiais de matemática. Sim, há cursos para isso também. Sorte que ainda não oferecem para crianças de três anos.

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