Tatiana Prazeres

Executiva na área de relações internacionais e comércio exterior, trabalhou na China entre 2019 e 2021

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Descrição de chapéu China Ásia

Faltam mulheres na China, e homens na zona rural sofrem para se casar

Diferença ocorre após décadas de política que permitia um filho por casal

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Há um excesso de homens na China. Estimativas apontam que o número de homens supera o de mulheres em cerca de 35 milhões. É quase a população inteira do Canadá. Ou mais da metade da francesa. Só de homens.

Teremos mais clareza da dimensão do problema em breve, quando a China anunciar os resultados do seu censo populacional. Enquanto as atenções estão voltadas para saber se a população chinesa já começou a encolher, outros aspectos da sociedade também deixam marcas interessantes no censo —a proporção homem-mulher é um deles.

Casal posa para fotos nos arredores da Cidade Proibida, em Pequim - Greg Baker - 26.fev.21/AFP

Especialistas consideram que, naturalmente, nasçam cerca de 105 meninos a cada 100 meninas. A distorção na China atingiu seu pico em 2004, quando para cada 121 homens nasceram 100 mulheres. A partir daí, os números oficiais indicam que a taxa começou a cair, mas segue alta.

Com a evolução da sociedade, há uma mudança de atitude em relação a se ter uma filha mulher. Pesquisas mostram que, especialmente nas cidades, os pais dizem ser indiferentes quanto ao sexo da prole.

Fatores culturais e políticas governamentais, no entanto, explicam a distorção de décadas. A preferência por meninos tem raízes profundas na sociedade chinesa. Entre os vários motivos há o fato de que, tradicionalmente, é responsabilidade do filho homem cuidar dos pais mais velhos.

Era comum que a mulher passasse a integrar a família do marido com o casamento. Seu próprio núcleo familiar poderia ficar desassistido, com implicações econômicas e sociais importantes.

O idioma chega a revelar esse traço cultural. Há palavras diferentes para se referir a avó pelo lado materno e pelo paterno. Avó materna é “waipo”. Esse “wai” significa “de fora”, “externo”. Aparece por exemplo na palavra “estrangeiro”: “waiguo ren”. E apenas a avó materna é “de fora”. A do lado paterno, “nainai”, não.

China, Terra do Meio

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Esse elemento cultural da sociedade chinesa —e de outras asiáticas, diga-se—​ foi acentuado no passado por medidas governamentais. Pela política do filho único, ter uma menina significava basicamente abrir mão da possibilidade de contar com um filho homem.

Aliás, a própria política do filho único refletia a preferência por meninos. Na zona rural, se um casal tivesse uma menina, preservava o direito de ter um outro filho. Vai que tivesse mais sorte na segunda vez —era a lógica, decerto. Claro, o argumento era econômico: um filho homem seria mais útil na lavoura.

Hoje, medidas governamentais tentam evitar que a distorção se perpetue. Salvo por motivo de saúde, os médicos são proibidos de revelar o sexo do bebê aos futuros pais. Ainda paira no ar o receio de que a preferência por meninos leve a abortos seletivos.

Distorções causam distorções e, hoje, dezenas de milhões sofrem as consequências. Faltam mulheres. O desequilíbrio é mais grave na zona rural e impacta especialmente homens de pior condição socioeconômica.

Várias mulheres deixam o campo em busca de oportunidades nas cidades. Lá, encontram empregos e se casam. Em menor número, elas, digamos, se dão ao luxo de escolher com quem casar e com frequência o fazem longe de suas cidades de origem. Além disso, mais mulheres consideram seriamente a opção de não casar.

O fenômeno tem levado ao surgimento de “vilas de homens solteiros” em diferentes partes da China. Vários buscam noivas nos países vizinhos, como no Vietnã, em condições nem sempre ortodoxas.

Hoje, o nascimento de um filho homem gera, além de grande alegria, uma dose de preocupação, sobretudo no campo. Tradicionalmente vistos como afortunados, esses pais, se desejarem ver seu filho casado, precisarão, aí sim, de um pouco de sorte.

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