Tatiana Prazeres

Executiva na área de relações internacionais e comércio exterior, trabalhou na China entre 2019 e 2021

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Descrição de chapéu China Ásia

China testa limites do capitalismo em busca da 'prosperidade comum'

Techs grandes demais e desigualdade fazem Pequim sacrificar interesse das empresas

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A China está matando suas galinhas dos ovos de ouro? Essa tem sido a reação de muitos diante de um vendaval regulatório que se abateu sobre vários setores da economia chinesa a partir de julho.

Empresas do país, especialmente de tecnologia, perderam mais de US$ 1 trilhão em valor de mercado, em função, sobretudo, das novas políticas.

O que levaria Pequim a, digamos, atirar no próprio pé? A puxar o tapete de empresas até agora tratadas como queridinhas nacionais? Para muitos, a resposta parece fácil: o Partido Comunista quer mais controle sobre a economia, quer rédeas mais curtas especialmente para o setor de tecnologia.

Prédio da empresa chinesa de transporte Didi, uma das big techs que entrou na mira do Partido Comunista Chinês - Jason Lee/Reuters

A explicação não é incorreta, mas é certamente incompleta. Para cada intervenção regulatória há uma lógica –com a qual pode-se ou não concordar, claro.

Com a nova filosofia, a China testa os limites do capitalismo. As autoridades parecem à vontade para sacrificar os interesses das empresas em troca de outros objetivos estratégicos —inclusive demandas da sociedade. Aos exemplos:

Começo com um caso de novembro de 2020, mas que representa o sinal dos novos tempos. Para Pequim, o Ant Group representava um risco ao sistema financeiro chinês, por exemplo, ao poder oferecer empréstimos aos mais de 700 milhões de usuários das suas plataformas.

É certo que Jack Ma incomodou ao criticar autoridades, mas a preocupação com o ambiente regulatório frouxo das fintechs não era um detalhe do episódio. O que seria o maior IPO da história nunca aconteceu.

Uma vítima recente da regulação chinesa foi a indústria de ensino extracurricular, que vinha em ritmo de expansão desenfreada. Sem limites, a indústria distorce o sistema educacional a favor de quem pode pagar, prejudicando a mobilidade social e alimentando a sensação de injustiça.

Além disso, os custos altos de educação jogam contra o interesse do governo de que os chineses tenham mais filhos. Com as regras recém-adotadas, as empresas que não quebraram, minguaram.

Na esteira do episódio do Ant Group, outras plataformas digitais também viraram alvo das autoridades. Tornaram-se grandes demais, contam com dados demais, dificultam excessivamente a vida de concorrentes e podem prejudicar usuários. As medidas das autoridades contra a Didi, gigante do transporte por aplicativo, fizeram suas ações derreter.

Outro caso? Os chineses são obcecados por comércio eletrônico e entregas rápidas, compram café por aplicativo e recebem a bebida quente em casa. Compram até mesmo picolé online. Mas a pressão sobre os entregadores da empresa Meituan, por exemplo, passou dos limites, e o governo resolveu agir.

A última novidade chama-se “prosperidade comum”. Com o conceito, o governo, preocupado com a concentração de riqueza, sinaliza que algo virá, como mais impostos sobre fortunas e propriedade.

Um dia depois de a expressão ser incorporada ao léxico dos mandarins, a gigante de tecnologia Tencent anunciou um fundo de US$ 7,7 bilhões para projetos de prosperidade comum. Temendo a fúria regulatória do governo, empresas apressam-se para causar boa impressão. Responsabilidade social corporativa com características chinesas.

Em grande medida, os problemas da China são experimentados mundo afora. Os nomes das empresas mudam, mas temas como big techs grandes demais e crescimento da desigualdade preocupam em muitos países. Pequim, no entanto, tem mais margem de ação e parece disposta a agir.

Não há nenhuma garantia de que essas experiências darão certo. Elas podem afastar investidores, desencorajar o espírito empreendedor chinês, aumentar custos e inviabilizar negócios.

No entanto, se a nova filosofia tornar os chineses mais satisfeitos com seu governo e, ao mesmo tempo, corrigir distorções econômicas, o montante trilhardário perdido pelas empresas será visto por Pequim como troco.

China, Terra do Meio

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