Tatiana Prazeres

Executiva na área de relações internacionais e comércio exterior, trabalhou na China entre 2019 e 2021

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Tatiana Prazeres
Descrição de chapéu
China Ásia

Mudanças na China fazem parte do esforço em prol da sociedade-azeitona

Depois de polêmicas, autoridades buscam esclarecer conceito de 'prosperidade comum'

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Conceitos enigmáticos não são novidade no regime político chinês. Prova disso é o nome Iniciativa do Cinturão e da Rota para o principal projeto de política externa do país. Outros slogans, como "rejuvenescimento da nação" e "estratégia da dupla circulação", continuam a desafiar inclusive especialistas.

Mas as discussões sobre a "prosperidade comum" atingiram outro patamar. Reintroduzida recentemente no vocabulário oficial, a expressão é associada ao combate à desigualdade, o que ganhou destaque agora que o governo considera a luta contra a pobreza basicamente vencida.

Jovens seguram balões durante filmagem de vídeo de propaganda do Partido Comunista Chinês, em Pequim
Jovens seguram balões durante filmagem de vídeo de propaganda do Partido Comunista Chinês, em Pequim - Thomas Peter - 19.out.21/Reuters

Ninguém sabe, no entanto, o que exatamente significa prosperidade comum nem como o governo pretende alcançá-la. Tampouco como ela se relaciona com o festival de mudanças regulatórias que atingem vários setores da economia chinesa.

Em agosto, logo que a expressão ganhou destaque, um blogueiro chinês praticamente desconhecido sugeriu que uma "profunda revolução" estaria a caminho para corrigir as injustiças do capitalismo. O artigo foi compartilhado nas plataformas da mídia oficial —para logo depois ser desautorizado.

O jornal nacionalista Global Times passou então a criticar os que estariam sugerindo uma revolução. Seu editor-chefe disse que havia exageros na interpretação de prosperidade comum e que a linguagem inflamada remetia a comparações inadequadas com momentos passados de tumulto no país —sem mencioná-la, referia-se à revolução cultural.

A falta de clareza sobre prosperidade comum ficou evidente pelo fato de a própria imprensa oficial ter reverberado o tom que depois veio a rechaçar.

Nesta semana, a Qiushi, principal revista do Partido Comunista Chinês, publicou um artigo lançando luzes sobre, afinal, o que é prosperidade comum. O texto alerta para os perigos da desigualdade de renda, da polarização política, do colapso da classe média e do aumento do populismo em alguns países. Ao apontar as falhas dos outros, os chineses justificam seu caminho.

O artigo conclui: o formato de azeitona seria o ideal para a distribuição de renda na sociedade chinesa. Ou seja, uma grande classe média e extremidades pequenas.

Há algumas pistas sobre os instrumentos que o governo pretende adotar para esse objetivo —como melhoria de serviços públicos básicos, subsídios para habitação, entre muitos outros. As autoridades, no entanto, advertem que prosperidade comum não é igualitarismo. E mais: "O governo deve evitar cair na armadilha de estimular [o comportamento de] pessoas preguiçosas em nome de bem-estar social".

Também há atenção para o topo da azeitona: mais tributos para quem pode pagar, inclusive um possível imposto sobre propriedade aplicado nacionalmente, o que não há na China de hoje. Prosperidade comum à la chinesa significa que aqueles que enriqueceram primeiro devem ajudar os que ainda não chegaram lá. Gostem os super-ricos ou não, filantropia entrará na conta.

Nesse processo, a China testa ideias e políticas públicas. Criou uma zona de demonstração da prosperidade comum localizada na próspera província de Zhejiang.

Nem todas as mudanças recentes nas políticas e regulações do país cabem debaixo do guarda-chuva da prosperidade comum. Mas boa parte delas, sim. Reduzir custos de educação, conter especulação imobiliária, cortar horários abusivos de trabalho, combater oligopólios —essas medidas não foram todas adotadas praticamente ao mesmo tempo por acaso. As mudanças fazem parte do esforço em prol da sociedade-azeitona. Mais medidas virão com esse objetivo.

Aos poucos, esclarece-se o conceito de prosperidade comum —mas ainda não se sabe até onde o governo pretende ir em nome dele. Por mais que Pequim compreensivelmente não queira tratar disso como uma revolução, pelo que já se sabe, são enormes os ajustes econômicos e sociais que pretende fazer para aparar os excessos do capitalismo.

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.