Tatiana Prazeres

Executiva na área de relações internacionais e comércio exterior, trabalhou na China entre 2019 e 2021

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Tatiana Prazeres
Descrição de chapéu Ásia Brics

Reabilitação de Confúcio é cada vez mais evidente na China

Partido Comunista e autoconfiança cultural favorecem valorização do filósofo

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Qufu é literalmente uma cidade de quarta ou quinta categoria na China. As cidades no país são informalmente classificadas em faixas, de acordo com sua importância. No entanto, em Qufu, na província de Shandong, há um museu de primeiríssimo nível, que visitei recentemente. A cidade natal de Confúcio, com pouco mais de 650 mil habitantes, é pequenina para padrões chineses, mas de um simbolismo cada vez maior para o país.

O confucionismo tem uma história de altos e baixos na China. Agora, no entanto, tem sido reabilitado pela sociedade e pelas lideranças chinesas. O Museu de Confúcio em Qufu, inaugurado em 2018, é sinal dos novos tempos. Tem mais de 17 mil metros quadrados de área de exposição (o Masp tem 10,5 mil metros quadrados).

O pensador nascido em 551 a.C. é associado a valores tradicionais do país, como a harmonia, a meritocracia, o respeito à hierarquia e à autoridade, a deferência aos idosos, além do comportamento ético. Com o tempo, valores confucionistas foram incorporados ao tecido social do país, servindo de substrato moral a uma sociedade desprovida de base religiosa forte.

Cerimônia marca o 2.572º aniversário do antigo erudito e educador chinês Confúcio, no templo que leva seu nome, em Qufu, província de Shandong, no leste da China
Cerimônia marca o 2.572º aniversário do antigo erudito e educador chinês Confúcio, no templo que leva seu nome, em Qufu, província de Shandong, no leste da China - Guo Xulei - 28.set.21/ Xinhua

Durante a Revolução Cultural (1966-1976), entretanto, o confucionismo sofreu um duro golpe. Foi visto como obstáculo à transformação social que se pretendia. O pensamento do filósofo foi classificado de conservador, retrógrado, burguês e, portanto, contrarrevolucionário —e muito. Combatê-lo era visto como essencial à causa comunista. Em Qufu, o túmulo de Confúcio e um templo em sua homenagem foram destruídos pela Guarda Vermelha.

Hoje, o partido fez as pazes com o confucionismo. Sua reabilitação ocorre gradualmente desde os anos 1980, mas foi nos últimos 15 anos que Confúcio readquiriu prestígio. Antes malditas, as ideias do filósofo passaram a figurar em discursos oficiais.

Não surpreende que o Partido Comunista, no comando há mais de 70 anos, valorize o respeito à autoridade e à harmonia social. Ao associar essas ideias a Confúcio, no entanto, o partido confere-lhes dose extra de legitimidade e valoriza o modelo político do país. Ademais, o confucionismo, além de milenar, é prata da casa —diferentemente do marxismo, importado.

Nem todas as ideias de Confúcio foram igualmente reabilitadas. A visão do pensador sobre as mulheres, em especial, é de tempos passados —e o partido sabe disso.

O resgate do filósofo fica evidente na política externa do país. Não é apenas à base de poderio econômico, tecnológico e militar que a China pretende projetar poder. Quando, em 2004, Pequim decidiu criar centros mundo afora para difundir a cultura e a língua chinesas, atribuiu-lhes o nome de Instituto Confúcio. Nenhum outro nome supera o do sábio da antiguidade em potencial de soft power para o país.

Para além da visão das autoridades, quão confucionista a China de 2021 realmente é? Muito, mais que nunca —respondeu-me uma professora chinesa. O confucionismo tem sido revitalizado na sociedade na esteira do crescimento do nacionalismo na China e das tensões externas envolvendo o país. Ganha importância com o aumento da autoestima dos chineses, com a valorização da história milenar e da cultura tradicional.

Jovens nacionalistas abraçam com gosto a ideia de autoconfiança cultural, que aliás tem outras manifestações visíveis. Volta à moda, por exemplo, o "hanfu", o roupão tradicional chinês. O patriotismo favorece personalidades, ideias e mesmo produtos e marcas chineses. É o made in China, agora em alta.

O renascimento do confucionismo é simbólico de uma China que pensa já ter aprendido bastante com o resto do mundo. Agora, sente-se também em condições de se promover e de ensinar. Se o museu em Qufu for indicativo da nova autoconfiança cultural dos chineses, ela é monumental.

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