Tatiana Prazeres

Executiva na área de relações internacionais e comércio exterior, trabalhou na China entre 2019 e 2021

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Descrição de chapéu China Ásia

Ingresso na OMC, marco da integração da China à economia global, completa 20 anos

Renegociar regras de forma a agradar chineses e americanos será epopeia maior que entrada de asiáticos no órgão

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Em dezembro de 2001, um programa de auditório na TV chinesa testava o conhecimento dos participantes a respeito do ingresso da China na Organização Mundial do Comércio (OMC), o que ocorria naquele momento.

No estilo "Quem Quer Ser Milionário", o programa premiava quem soubesse, por exemplo, que as tarifas sobre automóveis seriam reduzidas de até 100% para 25% e que as de autopeças cairiam de 23% para 9,5%.

Shi Guangsheng, à esq., então ministro chinês do Comércio e de Cooperação Econômica, celebra a assinatura do acordo de entrada da China à OMC, em Doha
Shi Guangsheng, à esq., então ministro chinês do Comércio e de Cooperação Econômica, celebra a assinatura do acordo de entrada da China à OMC, em Doha - Wang Jianhua - 10.nov.01/Xinhua

Ao longo dos 15 anos de negociação, o ingresso na OMC passou a ser visto por Pequim como um instrumento fundamental para acelerar reformas domésticas e modernizar a economia, apesar dos custos e das resistências, incluindo do setor automotivo.

Na China dos anos 1980 e 1990, abertura e reforma eram ideias em alta, e a composição de forças no Partido Comunista favorecia os reformistas. Definitivamente, havia ficado para trás a percepção, registrada no passado dentro da própria legenda, de que participar do clube era ceder a pressões imperialistas e interesses capitalistas.

O ingresso na OMC é um marco da integração da China à economia global. Em 2013, o país passou a ser a principal potência comercial, saindo da sexta posição que ocupava em 2001.

Hoje, um número maior de países tem na China, não mais nos EUA, seu principal parceiro comercial. O peso do país asiático para as exportações brasileiras é enorme: em 2020, um terço do que o Brasil exportou teve o mercado chinês como destino. O salto foi de US$ 2 bilhões para US$ 68 bilhões entre 2001 e 2020.

Ao mesmo tempo, importações provenientes da China aumentaram rapidamente mundo afora. Principal exportador mundial, o país passou a ser um competidor imbatível em muitos segmentos, em todos os países, tirando espaço de concorrentes. A frustração de muitos com a OMC, especialmente nos EUA, pode ser inferida a partir de uma frase de Donald Trump: sem a OMC, a China não seria a China. O avanço chinês alimenta o ressentimento em relação à organização.

Por outro lado, um ex-negociador chinês na organização lembrou recentemente que, em 2001, os EUA e a China seguiram caminhos muito diferentes. Naquele ano, Washington passou a ver o combate ao terrorismo como prioridade estratégica, na esteira dos atentados do 11 de Setembro. Pequim acelerou reformas que catapultaram o crescimento, inclusive no comércio. Não era com a China nem com questões comerciais que os EUA estavam preocupados.

Tal é a importância do ingresso na OMC para a China que o museu do partido, inaugurado neste ano em Pequim, dedicou uma seção ao tema. Sobre um pedestal, protegida por uma caixa de vidro, está uma cópia do acordo de entrada do país no órgão. São cerca de 900 páginas.

O desafio atual, para a China e para o mundo, é fazer com que os compromissos da OMC não se resumam a uma peça de museu. O risco existe sobretudo porque, para os EUA, os grandes arquitetos do sistema e fiadores da acessão da China, a organização não é mais capaz de garantir competição justa, especialmente em função da presença forte do Estado na economia chinesa.

Um ex-negociador americano me disse: é como se, no mesmo campo, um time entrasse para jogar futebol e o outro para jogar futebol americano. Alguém vai se machucar.

A China, por sua vez, entende que pagou o bilhete de ingresso para fazer parte do clube e que, agora, os EUA estão colocando a bola debaixo do braço para ir embora. Renegociar as regras comerciais de maneira a fazê-las aceitáveis para as duas potências, e para todos os demais, será epopeia maior que o ingresso da China na OMC.

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