Não faltam consequências associadas à guerra na Ucrânia. Fala-se em grandes repercussões geopolíticas, numa nova corrida armamentista, numa crise alimentar. Há algo, entretanto, que merece mais atenção: as implicações, para a China, das sanções impostas à Rússia.
Muitas análises param na consequência mais óbvia: como a China não aderiu às sanções, surgem-lhe novas oportunidades comerciais, como a compra de petróleo russo a preços melhores. Com a saída de Visa e Mastercard da Rússia, o chinês Union Pay ganhou espaço, por exemplo.
No entanto, a história não termina aí. Liderados pelos Estados Unidos, os membros do G7 prometeram medidas contra quem ajudar a Rússia a contornar as sanções. Ou seja, pode haver punição à China (e a outros países) por não aderir à política dos demais.
Pequim vê nisso uma demonstração inaceitável de arrogância e prometeu retaliação se a ideia vingar. Para os chineses, Washington não pode ditar os termos da relação que eles podem ter com Moscou. O mundo unipolar teria ficado para trás e não haveria mais espaço para a tal mão longa dos EUA, que buscam aplicar suas regras fora da própria jurisdição.
Ainda que concordasse com sanções, a China não estaria disposta a simplesmente aderir a restrições concebidas por outros, que o fazem também pensando em minimizar efeitos colaterais sobre si mesmos. Nem todos os bancos russos foram excluídos do sistema Swift basicamente porque, para que o gás de Moscou continue chegando à Europa, alguma maneira de viabilizar seu pagamento é necessária.
No entanto, apesar de manter o discurso de que a cooperação com a Rússia segue fluindo normalmente, Pequim se preocupa com as chamadas sanções secundárias. Empresas e bancos chineses estariam relutantes em fazer transações com russos por receio de serem atingidos por sanções. Nesta semana, noticiou-se que a estatal Sinopec suspendeu conversas sobre um enorme investimento petroquímico no país.
Cumprir de maneira silenciosa as sanções parece ser a escolha de várias firmas chinesas receosas de punições, que podem incluir dificuldades no mercado americano, multas e mesmo prisão de dirigentes. Empresários chineses lembram bem que a principal executiva de finanças da Huawei (e filha do fundador) foi presa no Canadá em 2018 sob alegação de que ajudara a contornar sanções americanas ao Irã.
Para empresas que operam globalmente, o risco de desconsiderar as sanções é grande. Para o regime, por mais abusiva que pareça a atuação extraterritorial e unilateral dos EUA, por ora tem-lhe restado esbravejar em público e, em privado, endossar ou recomendar a atitude cautelosa.
As sanções em curso servem de lembrete amargo para a China, principal potência comercial do mundo, do poder desproporcional de Washington sobre finanças e comércio internacional. Elas constituem incentivo extra para que Pequim busque internacionalizar sua moeda, investir em comércio em moeda local, no yuan digital e em alternativas ao sistema Swift.
Ademais, diante das circunstâncias, autoridades reforçam a aposta em autossuficiência em tecnologias estratégicas, em segurança alimentar e energética —o que tem repercussões globais, inclusive para exportadores do agronegócio. Xi Jinping disse neste mês que a China não pode contar com o mercado internacional para sua segurança alimentar.
É verdade que a economia chinesa é dez vezes maior que a russa e muito mais integrada ao mundo. Mas o arsenal de sanções testado contra Moscou hoje pode vir a ser empregado contra Pequim amanhã, ainda que em parte.
Não surpreende que a China resista a se juntar às punições do Ocidente. A lógica coube num tuíte de uma jornalista da TV chinesa: "Você me ajuda a combater o seu amigo para que eu possa me concentrar em você depois?".
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