Tatiana Prazeres

Executiva na área de relações internacionais e comércio exterior, trabalhou na China entre 2019 e 2021

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Tatiana Prazeres
Descrição de chapéu Ásia Itamaraty

Por que o Brasil vende apenas commodities para a China?

É tentador olhar para Pequim na busca de respostas para diversificar a pauta exportadora, mas o problema é sobretudo doméstico

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Há praticamente uma década, três itens respondem por cerca de 75% das exportações brasileiras para a China. No ano passado, petróleo, minério de ferro e soja chegaram a somar 80% do total. E estamos falando do principal mercado para as exportações brasileiras.

Participei recentemente de uma discussão sobre o comércio bilateral na qual surgiu a questão: por que, afinal, o Brasil só vende commodities para a China?

Alguém sugeriu que, sendo a fábrica do mundo, Pequim não precisaria importar manufaturados. Mas a resposta não é essa. O país é o segundo maior importador mundial, compra muito e de tudo. No topo da lista não estão grãos, mas semicondutores.

Navio é carregado com contêineres no porto de Santos - Carla Carniel - 16.set.21/Reuters

O Brasil enxerga a China como um consumidor de produtos básicos, no entanto o país é igualmente um importador voraz de produtos com valor agregado. Muito integrada em cadeias de valor, a China importa também para poder exportar —precisa de máquinas e equipamentos, insumos e componentes para isso. Ademais, seu mercado consumidor demanda importações variadas.

Se o país asiático é grande importador de industrializados, alguns poderiam se perguntar se, afinal, não são barreiras impostas pelo governo chinês que estariam dificultando nossas vendas desses bens. A resposta curta é: não. Curiosamente, são os produtos do agronegócio que enfrentam mais obstáculos, especialmente sanitários, na China —e, ainda assim, o setor acumula recordes com o país asiático. Pequim é mais protecionista no agro do que na indústria.

Subsídios certamente distorcem muito o mercado, mas isso não impede que o país siga importando aos montes de outras origens. O imposto de importação sobre bens industriais na China é de 2,8% em média. Ou seja, em regra, não são barreiras —tarifárias ou não tarifárias— que impedem a venda de produtos mais complexos.

A intuição do leitor pode lhe ter soprado outra resposta: o Brasil não exporta manufaturados para ninguém e, portanto, é natural que não os venda para a China. Aqui, exagero à parte, há um fundo de verdade. A indústria brasileira tem perdido competitividade a olhos vistos. A participação do país nas exportações globais da indústria de transformação representou meros 0,78% em 2020, segundo a CNI, o piso da série histórica de 30 anos.

O Brasil até vende produtos da indústria de transformação para a China, que atinge a fatia surpreendente de 17,5% da pauta. No entanto, essas vendas se concentram produtos como carnes, celulose e açúcar. Fora isso, não sobra praticamente nada.

Não é a China que importa pouco da indústria brasileira de média e alta complexidade —somos nós que vendemos cada vez menos desses bens para o mundo. Em 2021, exportamos menos nessa categoria do que dez anos atrás.

Em relação às vendas para a China, os problemas que tradicionalmente afetam a competitividade da indústria e das exportações industriais brasileiras têm obviamente o peso preponderante. Mas faltam também investimentos sustentados no tempo com o foco no mercado chinês —por exemplo, maiores esforços de imagem-país, além de promoção e inteligência comercial.

Ademais, três anos de China me fizeram convencida de que, salvo honrosas exceções, empresas e setores com alta exposição ao mercado do país investem muito pouco em entender a realidade local, em ter presença física, em construir relacionamentos —algo altamente valorizado pelos chineses. Se isso é verdade para empresas que já faturam muito com a China, que dirá para quem está desbravando o mercado.

Decerto, dada a complementaridade das economias, esforços públicos e privados não revolucionarão o perfil das nossas exportações para a China. Mas gerarão oportunidades valiosas para o Brasil.

É tentador olhar para a China na busca de respostas para o desafio batido de agregar valor e diversificar a pauta exportadora brasileira, mas o problema é sobretudo doméstico.

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.