Tatiana Prazeres

Executiva na área de relações internacionais e comércio exterior, trabalhou na China entre 2019 e 2021

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Tatiana Prazeres
Descrição de chapéu China tecnologia Brics

Três mitos sobre inovação na China

Percepções distorcidas resultam das mudanças rápidas e do fato de o país ter um modelo político único

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Persistem mitos sobre tecnologia e inovação na China. Ideias antiquadas e percepções distorcidas resultam das mudanças rápidas no cenário econômico chinês, mas também do fato de o país ter um modelo político único. Visões embaçadas por estereótipos sobre a China também explicam o fenômeno.

De fato, até poucas décadas atrás, o país era predominantemente rural. Em 1980, 65% da população ainda estava na pobreza. Durante os dez anos da Revolução Cultural, entre 1966 e 1976, universidades foram fechadas, e a ciência, execrada. Não é trivial a trajetória chinesa em tecnologia e inovação diante de seu passado recente.

Funcionário em laboratório de big data da Universidade Guizhou, na China
Funcionário em laboratório de big data da Universidade Guizhou, na China - Ou Dongqu - 27.mai.22/Xinhua

O primeiro mito, que perdura apesar das evidências, diz respeito à própria capacidade de a China inovar. O argumento é o de que, sem o livre fluxo de ideias, sem liberdade de expressão, a criatividade seria sufocada. Para um país com o modelo político chinês, o caminho seria sempre o da cópia. Inovação para valer seria coisa para democracias liberais. Os avanços recentes da China, desde 5G a computação quântica, desbancam a ideia com folga.

O segundo mito é o de que, no modelo político chinês, tudo é determinado de cima para baixo, tudo é estatal —inclusive tecnologia e inovação. A ideia fixa de que o Estado controla tudo, sempre, impede que se compreenda a natureza do ecossistema de inovação chinês.

Para começar, a contribuição do setor privado na economia é frequentemente encapsulada no esquema 60/70/80/90: ele contribui com 60% do PIB, responde por 70% da inovação, 80% dos empregos urbanos e 90% dos novos empregos na China. Ainda que seja uma simplificação, a fórmula corretamente indica que a inovação na China não vem do setor público, mas do privado —como provam Lenovo, Tencent, Xiaomi e tantos outros.

Evidentemente que, na China, a participação do Estado na economia é brutal e pode ter características próprias, como células do Partido Comunista nas empresas. Além disso, cada vez mais o Estado usa seu peso para orientar investimentos públicos e incentivar os privados em áreas estratégicas —a exemplo do que ocorre com semicondutores (e a exemplo do que ocorre, cada vez mais, em outros países). Ainda assim, a inovação chinesa é movida pela busca de resultados no setor privado e pela competição altamente acirrada no mercado.

O terceiro mito é o de que multinacionais estrangeiras estão diminuindo investimento em pesquisa e desenvolvimento (P&D) na China, por razões comerciais ou geopolíticas. Uma pesquisa recém divulgada pela Câmara de Comércio da União Europeia em Pequim mostra que os participantes —empresas europeias com filiais na China— estão, em sua grande maioria, ampliando investimentos em P&D no país.

Essas empresas europeias valorizam, no país asiático, a velocidade na aplicação comercial de inovações, o tamanho do mercado e as oportunidades de parcerias —numa gama que inclui desde gigantes estabelecidos a startups, passando por parques tecnológicos.

Mesmo diante de preocupações, fundadas, com proteção de propriedade intelectual e mudanças regulatórias, e apesar do sentimento negativo das matrizes europeias em relação a investimentos em P&D na China, os sinais são de que as empresas seguem apostando no ecossistema de inovação chinês —descrito como uma academia de ginástica de P&D, devido ao ritmo acelerado, pelo presidente da Câmara de Comércio.

Com valorização do conhecimento, talentos em quantidade, grande mercado, investimentos em P&D sustentados no tempo e apoio político a esta agenda, a China vai continuar surpreendendo —ou desapontando— os que tiverem apegados ao mito de que o país não teria como ser uma potência em inovação.

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.