Tati Bernardi

Escritora e roteirista de cinema e televisão, autora de “Depois a Louca Sou Eu”.

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Tati Bernardi

O livro das doenças

Era uma casinha amarela no Pacaembu. Cinco médicos atendiam só no primeiro andar, mas ele era o único com nome de velho: Leopoldo. Vai vir um barbudo com dentes amarelados, pigarro, pálpebras molengas e densas soterrando olhos de coruja arrogante.

Na sala de espera tinham balas Butter Toffees e eu preferi não arriscar, pois elas grudariam nos dentes de trás e eu teria que arrancar com meu dedo sujo de dinheiro, corrimões e maçanetas. Eu estava numa fase complicada.

Um garoto extremamente lindo parou pra tomar água na minha frente. Ele era extremamente lindo de um tipo de lindo que não é todo dia que vemos andando nas ruas que nós andamos. Era o tipo de homem lindo que nem adianta disfarçar e checar e-mails no iPhone. Melhor, entregue e madura, apenas sorrir do tipo "sim, notei, caraca, tu é lindão mesmo, contudo seguirei com minha vida".

Eu já estava no número oito da lista imaginária de maluquices que aquele ser agraciado poderia ter quando ele se virou e me disse: "Vamos?" Não entendi porque um garoto mais novo do que eu estava cobrando 500 reais uma consulta. Ele explicou que era psicanalista AND psiquiatra. Eu continuei não entendendo porque um garoto mais novo do que eu já era psiquiatra.

Ele explicou que eu já estava velha, de maneira que havia dado tempo dele se formar em duas faculdades e fazer doutorado.

O meu problema consistia em: às vezes, em reuniões, aviões ou ambientes lotados, eu sinto que posso gritar ou desmaiar ou vomitar. Porém, que mulher solteira em sã consciência diria isso sentada de frente para um Brad Pitt 20 anos mais novo, com senso de humor e muitos diplomas? Devia ser proibido por lei um analista ser sexy. Fiquei muda, arrebatada por algo que eu não sabia ser bexiga cheia ou outra coisa (que não me apetece limitar dando nome) multiplicada por dez.

Este era pra ser um texto sobre o fascismo nojento nas redes sociais. Sobre as pessoas que disseminam preconceito e racismo em suas timelines nazistas. Mas, absolutamente exaurida do assunto, resolvi falar sobre beleza e desejo. Sexo, acredito, mais do que compaixão e informação, talvez possa salvar esses seres tão equivocados e amedrontados de suas mentes segregadoras. Então voltemos a ele.

"Eu tô, eu não, vim só pra, vou nessa." E comecei a rir. Quando a paixão causa prostração verbal e debilidade muscular no maxilar inferior, resta muito pouco. O garoto então pegou um livro grande chamado DSM e me explicou que toda a loucura do mundo estava catalogada ali. "Vamos brincar de ver quantos pontos você faz?" Apostei "nenhum" e perdi umas cento e trinta e sete vezes ao longo de uns dois anos.

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