Tati Bernardi

Escritora e roteirista de cinema e televisão, autora de “Depois a Louca Sou Eu”.

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Tati Bernardi

Barulho dos infernos

Geralmente, a coisa fica feia às quintas. Mas sexta também é dia de sofrimento. Quarta, às vezes, o bicho pega. Não tá fácil pro bairro de Perdizes. Nos elevadores, na feira, nos supermercados, nas reuniões de condomínio, nas caminhadas na Sumaré, o assunto é um só: a universidade é católica, mas o barulho é dos infernos!

Quando reclamo no Twitter, muitos seguidores jovens me mandam "parar de ser véia, mano, e ir lá curtir um som". Mas mesmo quando eu era jovem, mano, não curtia o tipo de som que meus algozes festeiros curtem: axé, pagode e hip-hop que manda a vagabunda rebolar se quiser carros importados.

Quando reclamo no Facebook, meus amigos ficam preocupados: "pare de alardear isso! Depois, quando você quiser vender seu apartamento, ninguém vai querer comprar!" O fato é: eu não quero vender! Eu só quero dormir!

Moro a poucas quadras da PUC, mas a patuscada parece rolar dentro da minha sala. Recentemente, a fim de piorar em muitos decibéis a vida dos moradores do bairro, eles implementaram amplificadores, microfones e caixas de som. Semana passada, um desgraçado absolutamente desafinado cantou a plenos pulmões algo do cancioneiro popular brasileiro. Era tão alto, mas tão alto, mas tão alto, que do meu banheiro dava pra escutar o nariz dele fungando (eu pensei em rinite). Acho que era Djavan (melhor do que Dança da Motinha, mas, considerando que eram quatro da manhã, ele poderia ser Mozart que eu o odiaria).

Um amigo que mora no prédio ao lado, a fim de escrever cartas para reitores, padres, prefeitura e Psiu (sei de dezenas de pessoas que reclamaram e nada foi feito até agora), acompanhou in loco, por semanas, o funcionamento da pândega. Segundo ele, a desgraça sonora tem duas frentes de ataque: festas internas, na quadra da PUC, pra quem quiser entrar, e festas na rua, com som ao vivo, num palquinho montado na calçada em frente à universidade, aparentemente organizado pelos bares. Tudo isso seria menos grave se não durasse até seis da manhã! Eles começam dez da noite e vão até seis da manhã! Quase sinto saudade (inveja) de tamanha saúde.

Tentei um "protetor auricular para dormir", mas quase perdi o namorado. Especificamente o barulho da esbórnia, o protetor não resolve (pelo visto nada e nem ninguém resolvem!), mas os sussurros pedintes de amor foram completamente abafados. Depois de muitos cafés da manhã em silêncio, entendi o que estava acontecendo e pude me explicar: não neguei fogo, amor, apenas não tive acesso sonoro a você.

Meu vizinho, que tem filho pequeno (e a pobre criança, assim como todas as crianças das proximidades, assim como todos os adultos do bairro, assim como todos os velhotinhos fofuras da rua, assim como os cãezinhos amor das redondezas, não dorme em dia de regabofe universitário), disse que qualquer dia "faz uma besteira". Fiquei com medo de ser algo do tipo "socar a cara de alguém", mas era "mudar de casa".

Não, PUC, não expulsa a gente! A gente é superlegal, do bem, paga os impostos, curte a ciclofaixa, suporta um barulhinho maroto até meia-noite (só estamos pedindo um pouco de noção, e não o fim da alegria!), curte a padaria, sabe de cor o telefone da comida árabe, gosta da feirinha de orgânicos, adora o Tom Zé! Deixa a gente ficar!

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