Tati Bernardi

Escritora e roteirista de cinema e televisão, autora de “Depois a Louca Sou Eu”.

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Tati Bernardi

Amiga do Face

Tem uns quatro meses Dainara me adicionou. Eu topei a amizade por três motivos. Primeiro: ela trabalha com cinema e temos 115 amigos em comum, então vai que conheço, mas não lembro? Não quero ser indelicada. Segundo: ela trabalha com cinema e tem pelo menos uns 800 amigos que eu não tenho, então vai que ela sabe de algum projeto incrível que possa me dar prazer, prestígio e isenção na taxa de manutenção da conta jurídica? Terceiro: meu namorado já pegou (ele faz um bico de criança malcriada e diz que não conhece, mas eu reconheço seu tique nervoso da mentira), ela é bonitinha e esse tipo de coisa me dá certo ânimo-fetiche. Eu fantasio que faremos uma festinha, coisa que nunca faremos, porque na vida real sou careta, ocupada, não bebo e nos raros momentos de lazer prefiro seriado americano.

Desde que iniciamos nosso amor interesseiro e pixelado, Dainara jamais me abandonou. Ela curte de "hoje é a pré-estreia do meu filme" até foto da minha cachorra fantasiada de dinossauro roxo. Ela curte minha selfie (piorar a palavra selfie com um pronome pessoal possessivo é muito taurino) boladona em Petrópolis com fundo da família real e também post desesperado tentando achar um nefrologista. Tenho a impressão que se eu postar "manobrista se vinga no pum", ela manda um <3 na hora.

Dainara, assim como uma canecona transparente que ganhei de amigo secreto e que tem o tamanho perfeito para a quantidade de suco verde que tomo todas as manhãs (perdão: é muito difícil ignorar modismos quando se é inseguro), acabou fazendo parte da minha vida mesmo eu jamais a tendo escolhido.

Recentemente, num avanço natural de intimidade, Daizinha começou a me convidar para badalações. Bem enturmada, amiga de intelectuais clubbers e/ou pensadores indie (não sei exatamente como definir aquele tipo de paulistano que lê "Graça Infinita", mas que também pula carnaval no Baixo Augusta; que posta blog de esquerda, mas que também cobre desfiles de moda -mas sei que, no fundo, mesmo quando já somos mais maduros, simpatizamos com eles e queremos pertencer a eles) e rainha das colunas sociais, ela conseguiu chamar a minha atenção.

Tanto que, no domingo passado, cogitei aparecer nesse encontro mistura de bazar de estilistas hypados com feira de livro alternativa com exposição de artistas underground com limões Absolut com fotografias P&B de índios com DJ ao vivo meio deprimido (o ar blasé do artista que foi além, ele só não sabe de onde e nem pra onde) com chef de cozinha que fez curso com o Ferran Adriá (mas não adiantou nada, porque o coitado tá desempregado pegando esse tipo tadinho de freela) com momento almofadões pra ver o pôr do sol no terraço (uma ânsia tão grande em ser Nova York que extrapolam e os eventos viram meio nada e ficam todos em pé, esmagando em vão cervejas com as palmas, num misto de vontade de morrer com vontade de abrir um espacate nu e gritar "vão a merda").

Dainara me viu. Era, enfim, o momento tão esperado para transformar nossa falsa amizade inútil virtual em uma falsa amizade inútil real. Ela andou em minha direção e eu me preparei. Diria alguma mentira doce/descolada, como "obrigada pelo convite, amiga do Face". Quando, no fundo, eu estava pensando: "esse lugar tá uma merda e eu já tenho uma cacetada de amigo e não preciso de você, que tem uma energia de pessoa meio rasa, mas eu tava almoçando aqui do lado e quis dar uma andada, porque ficar presa agora, com a barriga cheia, nesse trânsito imbecil por causa dessa árvore de Natal idiota, ia me dar gases e necessidade profunda de suicídio". Mas ela me virou a cara.

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