Tati Bernardi

Escritora e roteirista de cinema e televisão, autora de “Depois a Louca Sou Eu”.

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Tati Bernardi

Motivos para amar Olive Kitteridge

Olive, a personagem-título dessa obra-prima da HBO, é uma ode aos impacientes com "gente simples". Se você se irrita quando não entendem sua ironia, sente a bile ganhando vida própria e dando piruetas dentro do seu fígado com aquele papinho furado de salão de beleza ou de elevador, só semiesboça um sorriso falso e aturdido pra gente bronzeada trincada em alegria que te chama de "lindaah" e fala "ma-giiii-naaaah", essa é a sua minissérie.

Se, por alguma razão obscura, papo de doença te seduz, se, por algum motivo misterioso, você não pode ver uma entrevista com psiquiatra na TV que logo já aumenta o som, se livros sobre fobias e vícios te chamam a atenção, se biografias de suicidas ofuscam toda a seção de autoajuda nas livrarias, a história dessa professora de matemática severa (e tão doce pra quem consegue enxergar) que ensina os alunos a temerem sobretudo "ser mais um" foi feita pra você.

Dirigida por Lisa Cholodenko (se você não chorou em "Minhas Mães e Meu Pai" você não tem um órgão torácico), com a monumental Frances McDormand (além do Oscar por "Fargo", ela é casada com o Joel Coen e eu acho muito luxo pertencer a essa família), a minissérie de quatro capítulos (densos, lentos, maravilhosos) é uma adaptação do livro homônimo de Elizabeth Strout (que apenas ganhou o Pulitzer de melhor ficção).

Dito tudo isso, vamos a mais um nobre motivo: Bill Murray. Por favor, me diga se você não ama em absoluto a cara dele de "preferia estar em casa cortando as unhas" no Globo de Ouro. O olhar dele de "cinismo é o meu melhor terno" no Oscar. O enfado dele recebendo um fax sobre a cor do piso ou do azulejo (não lembro) no "Encontros e Desencontros". Sempre tomado por uma arrogância refinada infinitamente perdoável. Ele está acima daquela patuscada toda e sabe e sabe que a gente sabe.

Enfim, me responda: apesar do seu analista achar que isso atrasa a sua maturidade, você continua, lá no fundo, dividindo o mundo entre gente louca e gente chata? Amando os loucos apesar de ser impossível ficar perto deles e odiando os chatos apesar de aturá-los tempo demais apenas porque a solidão é uma merda (e os chatos sempre estão disponíveis)? Te entendo. E nós amamos Olive.

Se, de todos os seus primos, aquele que tem cara de que pode assassinar a família inteira a qualquer momento é o seu preferido, e, se de todas as suas namoradas, aquela que faria da tua vida um inferno é a única que vez ou outra aparece num sonho erótico, não deixe de assistir essa maravilha.

Você já se pegou querendo dar uma joelhada no queixo dos civis da-casa-pra-firma-da-firma-pra-casa-sempre-pensando-positivo-e-postando-foto-de-pôr-do-sol-irado? Procura veneno na alminha alheia, o tempo todo, pra não morrer de tédio? Acha gente muito bonita e muito magra e muito rica e muito sem glúten e muito "acordo cedão pra correr" e muito suco detox a coisa mais invejável do mundo por dez segundos até ter muita vontade de explodi-los todos numa balada trance em Jurerê Internacional? Em suma: valoriza mais o que a pessoa ao lado faz com a própria angústia do que com os músculos e a conta bancária? Então é Olive na cabeça!

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