Tati Bernardi

Escritora e roteirista de cinema e televisão, autora de “Depois a Louca Sou Eu”.

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Tati Bernardi

Festival de bestice

Preste atenção, meu amigo. Você tem falado muita asneira. Eu sei, sai no automático, na preguiça, na educação desinteressada que você oferta a um transeunte ou mesmo a um colega, no pró-forma de nossas vidinhas medíocres. Mas sua inércia mental tem piorado muito o "habitar de mundo" alheio, sobretudo dos que estão sem nenhum medicamento psiquiátrico. Em nome de uma existência menos intragável (que nos leva ao Rivotril, ao Xvideos, às selfies sensuais tentando fisgar o nada e a futucar cantinhos inflamados em gengivas e unhas) esforce-se pra ser mais do que um humano descartável mugindo caduquices sociais.

Fale "bambolê alienado remoinha num céu de alfinetes" chupando um pirulito fálico de Fanta Uva e tentando cantarolar algum antigo sucesso de Kátia, a cega, e terás o respeito de quem quer mais da vida. Mas jamais diga "esfriou, hein", se achando um prodígio em pleno maio. Gente, MAIO é um mês que esfria, ok? É o mesmo que você dizer "opa, acabei de expirar gás carbônico e inspirar oxigênio, e você, o que tem feito nesse segundo angustiante em que dividimos o elevador?". Surpreenda, por favor.

Você visita bebês e exclama, crente que está brindando o cosmos com sapiência e erudição: "E não é que parece com vocês?". Olha só, amigão: a natureza tem dessas mesmo. Geralmente um rebento nasce parecido com os pais, pois trata-se de um serzinho mágico gerado por eles. A menos que a criança seja fruto de maravilhas científicas ou você tenha dúvidas a respeito da vida sexual da progenitora, a sentença "é a sua cara" é tão banal quanto a sua vistoria, do ponto de vista do recém-nascido. Pior que nessas horas sempre aparece uma gênia profetizadora, olhando com miopia pro infinito: "A gente só sabe o que é ser mãe depois que tem um filho". Opa! Olha aí uma Einstein! Eu também só soube o que era ir pra Brasilândia quando fui pra lá ou o que é ter uma cistite quando tive uma. Apenas porque ANTES DE SABER, NÃO SABEMOS MESMO. Por Deus. E, se o irmãozinho mais velho passar por ali, faça um favor aos pré-suicidas em reabilitação: jamais comente "como o Paulinho cresceu". Até feijão-anão cresce. Pouco, mas crescer é mais óbvio do que rinite alérgica em filho único.

EU ME REINVENTEI. Todo dia alguém suspira aquele fofo orgulho emotivo de si mesmo e comete essa fala. Você pode associar a reinvenção do seu ser à ações do tipo "antes de ser um Médico sem Fronteiras eu vendia crack para crianças" ou "foram oito balas alojadas em minha coluna, mas voltei a dar aulas de balé para a comunidade ribeirinha"? Então você é só um mala histérico com autoapreço postiço. Se você largou aquele emprego insuportável pra fazer design em brigadeiro ou um curso de gestão na América (que acabou virando de fotografia em Barcelona, que acabou virando nada), isso não quer dizer que você se reinventou. Isso quer dizer que você tem um dinheirinho guardado e está perdido.

E quando sua presença não se resume a um sarau de obviedades, você, chatão, traz o quê pros convivas? Um donativo vagabundo chamado "coisas que todos falam". About last night. É uma linha tênue. É vida que segue. Mea máxima culpa. Jantarzinho delícia eu e minha BFF! Hoje eu olho pra trás e penso. Aí eu virei e falei. Minha equipe: só feras! R.I.P. (ator de 99 anos), que tragédia! Ah, e o que dizer sobre você? Ah, só você mesmo! Falta uma bossa, super transado. Pra me encontrar, tive que me perder. Quem tem amigos tem tudo. Sem eles eu não seria ninguém. Eu sou mais eu.

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