Tati Bernardi

Escritora e roteirista de cinema e televisão, autora de “Depois a Louca Sou Eu”.

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Tati Bernardi

Doutor showman

Meu dentista viajou para um congresso bem quando quebrei um pedacinho do pré-molar (bruxismo, muito sexy) e me indicaram um do tipo "badalado". Agora, me explica que tipo de ser humano escolhe um profissional por essa alcunha? Como era perto, tinha horário e eu estava com pressa, acabei indo. Mentira: moça caipira e brega que sou, sempre fico achando que "the badalado" é aquele melhor do mundo, que vai revolucionar minha existência. Coitada.

A sala de espera (misto de suíte presidencial parisiense com café metido da Vila Nova) abarcava os seguintes momentos: pastas na mesinha de centro exibindo celebridades que "também se tratavam ali" (fotografadas levando broca na boca com a maquiagem devidamente feita e patrocínio de loja do Cidade Jardim), um maître (oi?) que de cinco em cinco minutos me oferecia delicinhas feitas pela Dona Juju (uma das regras do marketing: tudo é personalizado, íntimo e carinhoso), uma hostess "acabei de sair do curso gestão em pessoas", que sorria até o esfíncter fazer eco enquanto repetia "nem uma tacinha?" (oi? eu queria consertar o dente e não ser entrevistada pelo Amaury na pista). E, por fim, uma TV de zilhões de polegadas apresentava uma cúpula de gênios da saúde bucal em ação. Eles analisavam mandíbulas computadorizadas gigantes e tridimensionais que rodopiavam no ar, apertando os olhos, franzindo testas (miopia?), como se deles dependesse toda a população desempregada da Grécia. Que preguiça!

Horas depois (me mapearam tanto que eu estava vendo a hora que cismariam com minha pinta na virilha) eu sou levada para uma salinha com mais quadros de celebridades: "Não aconselhamos a senhora a arrumar um dente, mas sim TODOS, a um custo de 78 mil reais". Eu estaria cem vezes mais segura às duas da manhã num beco escuro do Capão Redondo. Saí correndo. Mas calma, que não acaba aqui. Sou um tipinho estranho que aproveita as férias pra marcar médicos e acabei pedindo indicações também de nutricionista e dermatologista. Desta vez, deixando claro que eu não queria mais uma pousada roteiros de charme feat. balada na Vila Olímpia. Não adiantou: virou moda ser médico da moda, eles estão por toda parte exibindo mais aparições na TV que diplomas. Talvez porque estudei marketing, talvez porque o cínico desconfia até da mãe quando muito carinhosa, peguei verdadeiro horror a esse fenômeno (ah, se eles soubessem que tá popularizando!) chamado "doutor showman". Gourmetizaram a saúde e vai ver por isso os circos estejam falindo.

Resumindo, pra não escrever mais do mesmo (são todos iguais): o nutricionista me atendeu com roupa de pilates, sentado num colchonete e explicou que precisava conhecer de verdade a Tatiana (errou o nome), pois não acreditava na consulta superficial. Contei a ele (e a sua entourage) tudo o que eu havia comido desde 1985 e tudo o que eu comeria até 2038. Falei de antidepressivos, compulsões, sonhos e dores na alma. Duas horas e muitos reais depois, eles me imprimiram A MESMA dieta que deram a um amigo meu (homem, mais alto, mais gordo, mais novo). Já a dermatologista falou 42 minutos sobre a importância do preenchimento e do botox e não resolveu o meu problema de manchas de sol (motivo pelo qual eu fui). A palavra "badalado" quer dizer: você paga a mais pra se sentir pertencendo a uma coisa ridícula com pessoas ridículas e ocultar por segundos a sua origem caipira que (com mais maturidade você finalmente entende) é a única coisa boa que você realmente tem e que te diferencia dessa lama toda.

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