Tati Bernardi

Escritora e roteirista de cinema e televisão, autora de “Depois a Louca Sou Eu”.

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Tati Bernardi

Carta a um jovem escritor... popular

Mário de Andrade, Fernando Sabino, Mario Vargas Llosa, Rilke, Stephen King, toda uma galera infinitamente melhor que esta tadinha que vos fala já escreveu sua "carta a um jovem escritor". Mas eu acho que algumas coisas importantes ficaram de fora.

Primeiro de tudo, você tem que se fazer a seguinte pergunta: você é um escritor popular? O teste é simples. Quando em desgraça, ainda que muito deprimido e prestes ao suicídio, ao narrar seus périplos a outrem, você arranca indiferença, lágrimas ou risos? Se for a terceira opção, prepare-se, com coragem e altivez, para uma vida de tortas na cara. O misteriozão blasé (aquele tipo que vai apenas expelir gases na varanda de uma festa, mas todos acham que ele está ali numa paquera míope com o horizonte, flertando com a morte), apesar de ser bem menos interessante e inteligente que você, sempre será mais respeitado.

Talvez você ganhe algum dinheiro, mas vai gastar boa parte dele na terapia, tentando entender epítetos carinhosos, tais quais: vendido, podre, subliteratura, engodo. Sentar e escrever, pra quem de fato senta e escreve, não é nenhum problema (que preguiça de técnicas e cursos!), o problema é aturar o resto da humanidade traduzida em coisas terríveis como: grupinho fechado de escribas que vão te odiar se você não escrever sobre índios e cheirar a cabelo ensebado, críticos eruditos demais pra perder tempo com quem "fala de si achando graça" com tanta coisa mais séria e triste acontecendo no mundo e, o pior dos seres, o internauta raivoso com opinião! Ele até poderia ser um escritor (duvido!) se não perdesse tanto tempo inscrevendo seu CPF só pra xingar quem escreve.

Mas não desista, você é mais forte do que eles! Você se arrisca a contar uma história com sentido, com diálogos, com personagens, enquanto muitos outros "reais artistas" têm a cara de pau e a arrogância de filmar uma cena de 27 minutos com um pombo caolho encarando uma valeta que, por sua vez,
espelha um céu metade lilás, metade empretecido pela promessa de um vendaval.

Filmes como "Casa Grande" e "O Lobo Atrás da Porta" são infinitamente melhores que qualquer comédia brasileira dos últimos anos. Vibro quando saem críticas boas a esses dois filmes e minha meta é um dia chegar lá. Mas o resto... O problema de alguns "intelectuais" cheios de julgamento e razão é a bipolaridade esquizofrênica: amam o povo, mas odeiam o popular. Se a mulher for uma doméstica manca numa Recife outonal que, perdida em um universo sombrio de seres ensimesmados, sonha casar, terás um filme premiado. Se a mulher for uma urbanoide neurótica obcecada em casar... ai ai ai, mais uma bosta de filme sobre casamento!

Se você acha que seus inimigos acabam por aqui, sabe de nada, inocente. Ainda precisamos falar sobre o seu principal algoz: o assistente do diretor financeiro. Não importa se você está escrevendo um filme, um seriado, um livro, uma crônica. Existe um subalterno "do dinheiro" com especialização em te fazer se sentir um desgraçado toda vez que você cobrar a grana. Fica sempre um terrorismo no ar: "Ah, então você não faz porque ama, você faz PELO DINHEIRO, seu escroto??" Bom, tava no contrato. Oi? Alô? Esquece, o assistente do financeiro não tem um e-mail e nem um telefone que funcione! E ele almoça sempre às 11 da manhã e segue almoçando às sete da noite. A única coisa que eu penso nessas horas é: se tá difícil pra mim, imagina pro cara do roteiro do pombo caolho?

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