Tati Bernardi

Escritora e roteirista de cinema e televisão, autora de “Depois a Louca Sou Eu”.

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Tati Bernardi

Listas

Chega uma hora na vida da pessoa ansiosa em que ela tem que decidir. Ou fica nos braços de Deus (aquele da crônica do Gregório, e não o de certas igrejas) com um bom antidepressivo, mas embaranga loucamente no quesito adiposidade and fica assexuada. Ou fica magra, tarada, pronta pro crime, mas roendo com a boca do estômago os quatro cantos do universo e sem conseguir parar de fazer listas. Agora mesmo uns 27 links abertos dançam na atmosfera, orbitando meu cocuruto, como a auréola de um anjo caído. São listas interrompidas por outras listas, interrompidas por outras listas. Um dos itens, inclusive, é a lista de todas as listas que interrompi hoje, mas tive que interrompê-la porque fiquei soterrada pela lista das coisas que venho interrompendo ao longo da vida. Fiz uma lista dos livros que eu deveria ler antes de finalizar o meu. Mas, como lidar com o fato de que, no mesmo dia, fiz uma lista com toda a estratégia do livro, da sua feitura até o último exemplar vendido, e isso me deu um desassossego tão tremendo que eu fui obrigada a concluir (ainda que eu nunca conclua nada: basta ter a certeza de algo pro oposto se tornar sedutor) que a lista de tudo o que eu precisava fazer ANTES não teria agenda na São Silvestre das minhas sinapses ávidas pelo AGORA? A única coisa que acalma a tríade macabra "só farei quando for a hora, estou fazendo, já deveria ter feito" é uma lista de músicas.

Tudo bem se você não estiver entendendo nada. Sorte sua, que é saudável. Vai lá malhar na academia felizão pensando no seu time enquanto assovia a canção celeste de um peito desanuviado. Como será que é ser você? A verdade é que pouco me interessa (ou muito, apenas porque acabei de resolver que era pouco). Mas você, meu irmão, que tá junto comigo nessa lama obsessiva chamada "um cérebro trem fantasma descarrilado eternamente ligado", segura na minha mão e vamos até o final desse texto. Difícil, porque nós temos uma lista de infinitos problemas que devem ser resolvidos hoje. E só de parar pra ler esse texto você já aumentou as buzinas cruéis do seu cerebelo histérico. Uma lista dos alimentos que devemos comer mais. Uma lista das pessoas que definitivamente temos que cortar da nossa vida. Uma lista de vinganças para "a hora certa". Uma lista das vinganças "pra hoje mesmo, que não sou palhaço". Uma lista de "coisas que a maturidade já deveria ter feito por mim". Uma lista de "motivos para acreditar que já estou muito melhor do que há cinco anos". Uma lista de exames laboratoriais (nem tava na hora do check-up, mas vai que). E, no meio dessas listas mais barra pesada, ainda temos as listas de todos os filmes e peças de teatro e livros (eles de novo) e shows e lugares e pessoas que precisamos ver. Que deveríamos estar vendo. Que já deveríamos ter visto.

Me indicaram um "monge" na Barra Funda, mas de cara ele mandou um "os problemas não entram". Vai barrar minhas neuroses como um host assoberbado, careca? Gente, então tô eu aqui quentinha, tapando ora a narina esquerda com o indicador direito, ora a narina direita com o indicador esquerdo, soltando pelo abdômen sons de vacas sintetizadas por um computador velho, e todos os meus filhotes amados, minhas 675 listas insuportáveis de problemas, estão no relento, tristes e solitárias, sem mamãe? Faço uma lista com todos os motivos para ficar grávida. Estar grávida. Já estar no segundo filho. O monge da Barra Funda não deu nem pro cheiro.

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