Tati Bernardi

Escritora e roteirista de cinema e televisão, autora de “Depois a Louca Sou Eu”.

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Tati Bernardi

'Hot Girls Wanted'

Terminei o documentário "Hot Girls Wanted" (é deste ano e tem no Netflix) aos prantos, como se alguém tivesse socado a boca do meu estômago. Com produção da bela e inteligente Rashida Jones (que também escreve e atua em ficções espertinhas), o filme expõe todos os abusos que garotas de 18 a 21 anos sofrem ao se mudar para um muquifo em Miami "na esperança" de se tornarem estrelas... pornô amadoras.

Ao fim de três meses elas ficam "conhecidas" e perdem a aura "inocente, vídeo caseiro" e já não servem mais. Daí novas meninas chegam para morar com o tipinho terrível que as agencia, um babaca que diz: "Me sinto um vencedor porque tenho carro e moro em Miami". Quando uma delas, após uma conversa com a mãe e o namorado, decide parar, ela liga pro "agente" informando e ele grunhe um distante "tô com preguiça, vou ver um filme", deixando bem claro que trata as mulheres como objetos descartáveis.

Se você for o tipo de pessoa que posta "revoltados online" nas redes sociais; que acha bonito vaiar família de político em restaurante; e que responde brilhantismos limitados do tipo "tá com dó do delinquente, adota", provavelmente está pensando "essas putinhas pediram por isso". Bom, assista ao documentário. Se você continuar pensando assim, se o olhar triste de algumas daquelas garotas que só queriam "voar de avião, conhecer outra cidade, ser livres" não tocar você, talvez você seja um caso perdido. Se a violência criminosa que elas sofrem não te der vontade de restartar o mundo, você realmente não tem mais solução. Se a baixa autoestima delas (destruída a ponto de acharem o máximo da bondade humana "quando alguém da equipe pergunta se estão bem" depois de horas de sexo agressivo e sem limites) não te abalar nem um pouco, desista desta encarnação.

Eu respeito o trabalho das mulheres que fazem vídeos pornôs. E respeito a pornografia. E respeito você, que consome. Inclusive, já fiz uso de alguns sites em noites solitárias. E também em noites não solitárias. Não é de pornografia (ou de quem produz, ou de quem assiste) que trata esse documentário (ou esta coluna). É sobre a falta de limite e de bom senso, sobretudo quando estamos falando de garotas que até ontem eram crianças. Se você é um consumidor de "imature porn", você não é um monstro –intelectualizar fetiche sempre vai ser uma coisa chata e simplória. Mas quer saber? Depois desse documentário talvez você repense suas escolhas enquanto navega pelo Xvideos. Algo como "diga-me que pornô você assiste, e te direi quem és". Você sabia que os tipos de pornô mais procurados na internet, sobretudo nos EUA, são "abuso fácil" e "humilhe uma latina"? Um tio playboyzão fica xingando garotas bem novinhas, morenas, de sujas, porcas, "mexicanas imundas" e o sexo oral é tão intenso que algumas garotas vomitam (o que aumenta o número de views consideravelmente).

Sempre preferi ver pornô lésbico: elas realmente parecem que estão curtindo bastante aquele momento e não param de ter prazer. O que me dá tesão num vídeo pornô, apesar da minha preferência heterossexual, é ver uma mulher gozar (também). Agora, que tipo de prazer é esse alimentado por garotas chorando, vomitando, sofrendo torturas pesadas, o olhar desolado, a violência excessiva contra uma mulher como tara principal, o gozo do homem como única meta magnânima a ser atingida? Entre quatro paredes e uma câmera pode tudo, desde que todo mundo esteja se divertindo e ninguém seja o Donald Trump querendo dar uns tapas numa mexicana. Que mundo!

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