Tati Bernardi

Escritora e roteirista de cinema e televisão, autora de “Depois a Louca Sou Eu”.

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Tati Bernardi

O que é ser feminina?

David Magila

Recentemente almocei com um amigo e, ao se despedir, ele me abraçou e lançou: “A maternidade te deixou mais feminina”. Segundo ele, não falar em dinheiro, em pênis, em projetos, e sobretudo em intrigas relacionadas a dinheiro, pênis e projetos, fizeram de mim, finalmente, “uma mulher feminina”.

Apenas para não acordar a bebê sempre no meu colo, adquiri uma nova voz. Mais lenta, mais doce, mais baixa. Quem me telefona sempre comenta: “Nossa, que feminina!”. Gente, será que eu era um mano de regata e tatuagem do Corinthians e até hoje nunca me avisaram?

Como estou de licença maternidade (o que quer dizer que, das 76 coisas que eu fazia, tô fazendo só umas 27), acabei com uns gostos estranhos. Enquanto minha filha dorme, fico googlando mantas de sofá no mais puro algodão, tapetes de banheiro muito felpudos e com antiderrapantes, organizador de meias para gaveta, mini-hortas de temperos orgânicos, uma receita de bolo de banana sem açúcar e sem farinha.

Parei de seguir a vida de ex-namorados, de tentar ler três jornais por dia, de cobrar as produtoras que me devem dinheiro e comecei a curtir os stories de influencers que ensinam a dobrar calcinhas adequadamente. Sim, tá estranho.

Esses dias eu tinha todos os motivos para largar uns sete palavrões seguidos para meu cônjuge mas pensei “vou manter o equilíbrio da casa dizendo apenas um muito delicado ‘não gostei’ e seguir com nossa vidinha pois há coisas mais importantes e sérias a se considerar para a devida manutenção de uma família”. Socorro! Quem é essa pessoa?

Talvez o fato de eu ter gerado uma menina tenha me contaminado de delicadezas.

Talvez minha filha (torço para que faça mais a linha sarcástica do que a “mocinha cor-de-rosa”) não tenha nada a ver com isso. Talvez o amor materno nos torne melhores e ser melhor é sempre mais feminino. Talvez dizer “isso é feminino, isso não é” seja algo bastante besta e machista. Só há uma certeza: todas essas experiências têm sido maravilhosas... Mas também dão uma saudade danada de ser mais masculina.

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