Tati Bernardi

Escritora e roteirista de cinema e televisão, autora de “Depois a Louca Sou Eu”.

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Tati Bernardi

O Brasil conseguiu se igualar à Rússia em involução

Mulheres são seres humanos melhores. Pesquise, se informe

Torcedores brasileiros responsáveis pelo vídeo machista e ofensivo contra uma mulher estrangeira durante a Copa na Rússia (FOTO: REPRODUÇÃO) - Folhapress

Quando você, homem, vir uma mulher que lhe agrada andando pela rua, não assovie, não sorva uma sopa imaginária, não lamba os beiços, não bata palmas, não arrume o pênis dentro da calça, não buzine, não gema, não diga uma “gracinha”. Apenas silencie. Assinta a beleza do mundo com um leve deslocamento da cervical (vulgo abaixar a cabeça). Apenas, comovido, agradeça ao cosmos. Mulheres são melhores que você. 

Não concorda? Então me responda uma coisa. Você consegue imaginar um bando de idiotas do sexo feminino gritando “saco rosa, saco rosa, saco rosa” em torno de um rapaz russo perdido com o idioma?

Consegue imaginar patricetes cantando “chupar piroca é uma coisa linda” para um repórter que só estava tentando trabalhar? E, porque estupidez pouca é bobagem, acha provável que essas moças irreais se orgulhem de suas façanhas a ponto de tornarem os vídeos públicos?

Mulheres se atentam mais aos detalhes, se comunicam com mais facilidade, conseguem fazer 20 coisas ao mesmo tempo (e ainda terminar o dia achando que ele foi mal aproveitado), dão vida a maravilhosos bebês, toleram dores intensas sem achar que estão morrendo e tendem a resolver com mais agilidade o que está empacando suas vidas. Mas esta coluna não é sobre isso. Esta coluna é sobre o vexame que os torcedores brasileiros estão dando na Rússia. 

Eu achava que nada poderia ser tão horrível quanto uma lei que pune gravemente afetos homossexuais. Pois o Brasil, que não tem histórico em recriminar atos machistas travestidos de piadas de mau gosto, conseguiu se igualar à Rússia em involução.

Sempre amei Louis C.K., mas ao saber que alisava o pênis na frente de admiradoras e funcionárias constatei que, apesar de sua genialidade como comediante, ele nasceu com um pequeno defeito: não é mulher. Você imagina Amy Poehler, Tina Fey ou Tatá Werneck esfregando o clitóris na presença de um funcionário ou fã acuado?

Durante minha gravidez, tentei três obstetras homens. O primeiro fez piadas com a falta de 
cérebro das mulheres; o segundo cobrava uma fortuna, mas quem fazia o trabalho eram suas 675 assistentes mulheres; e o terceiro estava mais preocupado em pegar dicas de como vender livros do que em acalmar meus anseios.

Por fim, me indicaram uma mulher e eu pude ter um pouco de paz. E é claro que agora algum leitor deste jornal vai reclamar “lá vem essa colunista falar do seu parto” (toda semana algum machinho reclama disso). Querido, desculpa, mas se você ainda acha seu pênis melhor do que meu útero a vida não lhe ensinou muita coisa.

Mulheres são seres humanos melhores. Pesquise, se informe. 

Elas ficam ao lado do parceiro doente. Elas não abandonam os filhos com problemas. Você leu as matérias sobre bebês com microcefalia? Quem é que encarava o desafio? Quem é que sumia de casa?

Você conhece alguma mulher que abandonou o marido com câncer? Quando os pais envelhecem, as filhas mulheres cuidam, os filhos homens dão graças a Deus por terem irmãs.

Portanto, torcedor playboy machista assediador nojento, não adianta pedir desculpas e dizer que “piada de mau gosto não é crime”, você nasceu de uma vagina e, nem assim, aprendeu a dar valor a uma. Você merece sim ser demitido. Merece ter sua cara de trouxa exposta. Merece ser exemplo de boçalidade.

Eu já ri de nervoso, de medo, por costume. Eu já ri para ser aceita, pertencer, mostrar jogo de cintura. Eu já ri para não piorar a situação. Mas a verdade é que o assédio nunca foi engraçado. Nunca foi divertido.

Agora são eles no centro de uma internet implacável, linchados por vívidas bocetas rosas, negras, ruivas e amarelas cantando “Pau pequeno! Pau pequeno!”. Será que estão curtindo?

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