Tati Bernardi

Escritora e roteirista de cinema e televisão, autora de “Depois a Louca Sou Eu”.

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Tati Bernardi

Emetofobia

Ao menor sinal de um colega pálido, já me coloco a quilômetros de distância

Sim, falarei sobre vômito no seu desjejum. Ou vai ver sou uma senhora ultrapassada e o hábito de ler o jornal no café da manhã caiu em desuso. De qualquer forma, falarei sobre ânsia. Ou melhor: sobre a imensa dificuldade em lidar com ela. Eu não sei vomitar, não consigo, não quero, tenho pavor. Retificando: não falarei sobre vômito no seu café da manhã, leia você jornal durante a merenda matinal ou não.

Evito consumir qualquer coisa que não seja ou muito básica ou muito familiar ou muito de uma marca com SAC —para que eu possa processá-los caso eu vomite. Sou fã de alimentos inofensivos: macarrão, melão, mingau de aveia.

Como peixe cru somente depois de fazer o bem ao próximo, crente que Deus me ajudará. Meu pavor de viagens é apenas porque meios de transporte me engulham. Tenho também muito medo de ver alguém passando mal. Ao menor sinal de um colega pálido, eu já me coloco a muitos quilômetros de distância.

Fico perplexa com as pessoas que vão ali dar uma golfadinha e já voltam. O cara está conversando numa boa, então bate aquela bile revolta na boca do estômago e ele simplesmente, imerso em finesse, besuntado em maturidade, se retira por alguns minutos, sem escândalo, desmaio, suor frio ou desejo de chamar uma ambulância. Retorna sem abatimento visível e segue o papo.

Eu acho muito "adulto real" vomitar fora de casa e socializar na sequência. Eu costumo chamar essa galera de "um tipo realmente preparado pra vida". De sky surfing a uma crise no casamento com trigêmeos lactentes, esse indivíduo está pronto para qualquer desafio.

Tenho uma amiga que encheu a lata no Ano-Novo e, no meio de uma coreografia, virou pra mim e falou: "Eita, já venho". Esperei meia hora, e nada. Achei que a encontraria semimorta, amargando aquela tristeza visceral que sinto quando derramo excessos, obliterada pela dor do fim da infância, em posição fetal, nua, gritando "mãe". Deparei com ela jantando novamente. Se isso não é ser uma heroína, eu não sei de mais nada.

Certa feita, no desespero de me descobrir profundamente nauseada, misturei tanto Vonau 8 mg com Vonau sublingual com Dramin Capsgel com Dramin B6 que acabei intoxicada, tendo que lidar com uma labirintite aguda por dias. Labirintite essa que me deu mais enjoo ainda, e eu voltei a me intoxicar exagerando nos mesmos medicamentos.

Remédios para enjoo - Arquivo Pessoal

A fobia piora demais se eu estiver longe de casa. Não existe nada pior no mundo do que querer dar uma deitada no chão do banheiro e o banheiro não ser o meu. Fico tão atormentada que já me aconteceu de sair de um voo confuso e turbulento recém-chegado ao Rio e automaticamente entrar em outro voo igualmente confuso e turbulento de volta pra São Paulo, só pra vomitar no conforto do lar.

Mas a verdade é que eu não vomito. Se foram cinco vezes na vida, foram muitas. Já tive intoxicação alimentar, fui parar no hospital, e não consegui. Já fiz negociações com o cosmos: "Troca comigo, dá esse enjoo pra alguém com amigdalite e me dá a amigdalite dessa pessoa".

Eu aprendi que cheirar limão, chupar gelo, ficar imóvel no escuro e fazer listas me ajudam a não regurgitar. Tenho uma gaveta com coleções de listas que faço desde a década de 80. Tem desde "pessoas tóxicas a evitar" até "alimentos que atacam o fígado".

Quando cheguei ao hospital com as contrações do parto, pedi uma injeção de Domperidona ou Metoclopramida ou Dimenidrinato (sim, sei o nome dos 'paranauê todo' que cortam o enjoo) antes de qualquer anestesia. Assegurada de que não vomitaria, todo o resto me pareceu suportável.

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