Tati Bernardi

Escritora e roteirista de cinema e televisão, autora de “Depois a Louca Sou Eu”.

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Tati Bernardi

#Helenão#

Contra a boçalidade, o protecionismo a banqueiros e a ordem ao regresso

O candidato à presidência Jair Bolsonaro (PSL) em Brasília
O candidato à presidência Jair Bolsonaro (PSL) em Brasília - Pedro Ladeira/Folhapress

Helenão é homem e mulher, transa homem e mulher e, sobretudo, não transa quando não está a fim. Helenão é superfamília, mas não gosta de Coca-Cola tamanho família e não curte 89% dos parentes. Helenão ficou algumas semanas sem falar com os tios e primos que votam em fascistas, mas depois rezou para que eles fossem felizes. Não que Helenão acredite no Deus dos outros, mas acredita em seus deuses e, por meio deles, manda boas vibrações. Helenão também detesta uma galera aí e, quanto a essa, só manda mesmo é todo mundo à merda. Helenão é gente como a gente e tem mais humanidade que os 27% das pesquisas presidenciais.

Helenão lê Gregório Duvivier, Antonio Prata, Celso Rocha de Barros e brilha na sororidade com Fernanda Torres, Laura Carvalho, Manuela Dias, Roberta Martinelli, Petria Chaves, Antonia Pellegrino, Maria Ribeiro, Marília Gabriela, Martha Batalha, Laerte e a leitora desta coluna.

Helenão adora feriado, mas, quando crianças marcham no Sete de Setembro, preferia vê-las dançando livremente. Helenão gosta da casa em ordem, mas acredita que o que coloca ordem no país é a democracia. Helenão detesta educação moral e cívica.

Se você não gosta de Helenão, sua vida deve ser uma eternidade de jantares chatos sobre mercado financeiro, camisas com brasão em promoção, fotos em Nova Jersey comprando sapatênis e cervejadas em Ribeirão sonhando com a volta das espingardas.

 

Helenão é contra as fake news da boçalidade, o protecionismo a banqueiros, a continência ao feminicídio e a ordem ao regresso. Helenão é a favor dos gays, dos índios, dos negros, das cotas, da decisão das mulheres sobre o próprio corpo, dos beijos gregos, das tatuagens de ursinhos psicodélicos. Helenão 
é a favor de todos nós.

Helenos vieram da Grécia, Helenas das novelas, Elenas das mães com bom gosto para nomear as filhas. Já Helenão veio do que há de mais bonito dentro de cada um dos desgraçadinhos votantes do Brasil. Dentro de cada eleitor do Bolsonaro há sempre uma porcentagem de decência, de homossexualidade e de Helenão. Eu torço para que eles abracem sem medo sua infinita capacidade de serem melhores, de serem Helenão.

Eu queria que Helenão fosse presidenta, dono do mundo, senhora absoluto. Eu queria que Helenão tocasse o coração dos homens que posam ao lado de policiais, armas, tanques. Queria que Helenão colocasse de ponta-cabeça as certezas das mulheres que votam em homens que podem pôr jovens no pau de arara. Helenão não usa calça camuflada nem quando volta à moda —prefere andar nu, balançando 
suas tetas e pênis e celulites.

Eu queria que Helenão levasse você para as ruas no dia 29, pra gente se abraçar, se amar. Que Helenão esteja na garganta de todos nós. Que Helenão seja nosso grito, o padrinho da minha filha, a madrinha do seu filho, o melhor amigo dos meus parentes, a amante dos meus amigos. Queria que ela entrasse na sua casa, pé 42 na porta, dormisse de conchinha com você, te enrabasse com doçura e consentimento.

Se Helenão perder, imagine a tristeza de morar neste país. De andar pelas ruas sabendo que a maioria decidiu jogar no lixo nossa história, nossos traumas, nossas conquistas, nossos jovens torturados e assassinados de outrora, nossos jovens torturados e assassinados de hoje. #Helenão. A liberdade de escrever para este jornal, sim.

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